O número de novos casamentos registrados na China deverá cair neste ano ao menor nível desde que esse tipo de registro começou a ser feito no país, segundo dados oficiais.
A queda para o menor nível já registrado aprofunda uma crise demográfica no país e deverá ocorrer mesmo em meio a uma ampla campanha governamental para impulsionar o matrimônio e encorajar nascimentos.
A queda no número de novos casamentos –e também nos nascimentos– representa um grande desafio para Pequim, que está cada vez mais preocupada com o impacto de uma força de trabalho em declínio e com o envelhecimento da população na economia desacelerada do país.
Cerca de 4,74 milhões de casais chineses se casaram oficialmente entre janeiro e setembro deste ano, uma queda de 16,6% em relação aos 5,69 milhões registrados no mesmo período de 2023, de acordo com dados divulgados pelo Ministério de Assuntos Civis na última sexta-feira (1º).
A redução no número de novos casamentos é uma tendência observada a partir de 2013, quando o país atingiu um pico de 13 milhões de registros. Até agora, o número mais baixo contabilizado desde 1980 foi o de 2022: 6,83 milhões (veja o gráfico abaixo).
Uma recuperação nos casamentos no ano passado após o fim das rigorosas restrições provocadas pela pandemia da Covid-19 parece representar simplesmente uma demanda reprimida.
A população da China encolheu por dois anos consecutivos e sua taxa de natalidade no ano passado foi a mais baixa desde a fundação da República Popular, em 1949. Em 2022, o país foi superado pela Índia como a nação mais populosa do mundo.
Incentivo do governo
As autoridades chinesas veem uma ligação direta entre menos casamentos e a queda de nascimentos no país, onde as normas sociais e regulamentações governamentais tornam desafiador para casais não casados terem filhos.
Para reverter o declínio, as autoridades chinesas lançaram uma série de incentivos financeiros a campanhas de propaganda para incentivar os jovens a se casarem e terem filhos.
As autoridades organizaram eventos de encontros às cegas, casamentos em massa e tentaram restringir a tradição de grandes pagamentos de “preço da noiva” para a família de sua futura esposa, o que colocava o casamento fora do alcance de muitos homens pobres em áreas rurais.
Desde 2022, a Associação de Planejamento Familiar da China lançou programas piloto para criar uma “cultura de casamento e procriação de uma nova era”, inscrevendo dezenas de cidades para promover o “valor social da procriação” e encorajando os jovens a se casar e dar à luz em uma “idade apropriada”.
Mas, até agora, essas políticas não conseguiram convencer os jovens adultos chineses que estão lutando contra o alto desemprego, o aumento do custo de vida e a falta de um apoio mais robusto ao bem-estar social em meio à desaceleração econômica.
Muitos estão adiando o casamento e o parto. E um número crescente de jovens até opta por evitá-los completamente.
O declínio tanto em casamentos quanto em nascimentos se deve em parte a décadas de políticas projetadas para limitar o crescimento populacional da China, o que resultou em menos jovens em idade de casar, de acordo com autoridades e sociólogos chineses.
Em 2015, a China anunciou o fim de sua política de filho único de décadas, permitindo que os casais tivessem dois filhos, e depois aumentou para três filhos em 2021 –mas as taxas de casamento e natalidade continuaram a cair.
A tendência de queda persistente também é resultado de mudanças de atitude em relação ao casamento, especialmente entre mulheres jovens que estão se tornando mais educadas e financeiramente independentes.
Confrontadas com a discriminação generalizada no local de trabalho e tradições patriarcais –como a expectativa de que as mulheres sejam responsáveis pelos cuidados com os filhos e tarefas domésticas– algumas mulheres estão ficando desiludidas com o casamento.
Desde 2021, a China determinou um período de “reflexão” de 30 dias para pessoas que pedem o divórcio, apesar das críticas de que isso poderia tornar mais difícil para as mulheres deixarem casamentos desfeitos ou mesmo abusivos. Nos nove primeiros meses deste ano, cerca de 1,96 milhão de casais se registraram para divórcios, um leve declínio de 6.000 ano a ano, de acordo com dados do Ministério de Assuntos Civis.
A China não é o único país lutando com a queda nas taxas de casamento e natalidade. Nos últimos anos, o Japão e a Coreia do Sul também introduziram medidas para encorajar nascimentos –como incentivos financeiros, vales-dinheiro, subsídios para moradia e mais apoio para creches– com sucesso limitado.