Um dos destinos turísticos mais cobiçados do Brasil, Jericoacoara, encontra-se no epicentro de uma intensa disputa judicial. Uma empresária cearense reivindica a posse de cerca de 80% da vila, alegando ser proprietária legítima dessas terras.
Essa disputa se divide em duas frentes: a primeira envolve a área urbana da vila, onde a empresária questiona a arrecadação realizada pelo governo estadual; a segunda diz respeito ao Parque Nacional de Jericoacoara, onde ela busca indenização por áreas que alega serem de sua propriedade.
A controvérsia, que se arrasta há mais de duas décadas, envolve uma área de aproximadamente 1700 hectares e coloca em xeque questões complexas relacionadas ao direito de propriedade, legislação fundiária e interesses econômicos divergentes. Antes, contudo, é preciso entender a linha do tempo que permeia essa história.
Linha do tempo
A saga da disputa pelas terras de Jericoacoara iniciou em 1979, quando José Maria de Morais Machado adquiriu extensas propriedades em Acaraú.
Em 1995, após seu divórcio, sua ex-esposa, Iracema Correia São Tiago, herdou as três fazendas: Junco I, Junco II e Caiçara. No entanto, a tranquilidade da nova proprietária seria breve.
Em 1997, o governo do Ceará criou a Vila de Jericoacoara e arrecadou parte de suas terras. Cinco anos depois, em 2002, o governo federal instituiu o Parque Nacional, englobando ainda mais áreas das antigas fazendas.
Iracema e seus filhos, alegando não terem sido notificados, iniciaram a busca pela regularização das terras em 2004. Em 2010, entraram com um processo administrativo contra o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e em 2017, judicializaram o caso, pedindo indenização por desapropriação indireta.
A partir de 2022, com nova assessoria jurídica, a família intensificou suas ações na justiça, buscando acordos com o poder público, representado pelo Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace).
Disputa por terras em Jericoacoara
A questão que envolve a propriedade de Iracema na Vila do Jericoacoara, trata de 80 hectares de terra da fazenda Junco I.
Essas terras que, foram arrecadadas e posteriormente entregues pelo Estado para pessoas que requeriam a propriedade, pertenciam às fazendas da empresária. O processo, de acordo com defesa da empresária, não respeitou o próprio decreto que previa o resguardo das terras com propriedade.
A família alega que não sabe porque o estado não encontrou a matrícula de propriedade da família, fator que deu início na disputa.
Segundo a defesa, em 2004, Iracema foi informada de que havia perdido o prazo para recorrer contra o Estado, para reivindicar a área que pertence hoje à Vila do Jericoacoara. A perspectiva, no entanto, mudou após nova instrução jurídica, e o caso foi retomado em 2023.
Em virtude da ocupação da maior parte da área que pertence à Vila, e a dimensão do processo que se daria na reivindicação de todo terreno, a empresária buscou o IDACE para propor um acordo.
Na proposta, Iracema ficaria com 19 lotes, totalizando uma área total de 34.722,22 m2 ou seja 3,47 hectares, correspondendo 3,94% da área arrecadada da Vila de Jericoacoara. Veja o mapa da área (pontos em azul) que foram requeridos pela defesa, para retornarem para Iracema.
Em resposta ao pedido da empresária, o IDACE propôs que todas as terras da Vila de Jericoacoara permanecessem sob posse do Estado. A empresária contestou essa proposta, visto que a contraproposta não oferecia nenhum tipo de indenização.
Diante da divergência, o caso foi encaminhado à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE). A PGE, responsável por defender o patrimônio público, emitiu um parecer reconhecendo a legitimidade da reivindicação da empresária.
A Procuradoria negociou um acordo, recentemente, que garante a manutenção da maior parte das terras em poder do Estado, incluindo áreas ocupadas por moradores e estabelecimentos comerciais. A empresária concordou em renunciar a mais de 90% da propriedade, em troca de outras terras que ainda não estavam ocupadas.
O acordo firmado, entretanto, foi alvo de questionamentos do Conselho Comunitário de Jericoacoara. A resolução foi suspenso por 20 dias, para serem realizados os procedimentos necessários para sua implementação.
A defesa da empresária disse à CNN que a questão tem sido alvo de narrativas distorcidas, que divulgam informações falsas sobre as reivindicações de propriedade. A intenção seria atender a interesses econômicos locais, atuando na desinformação dos moradores.
Indenização Parque Nacional
A defesa de Iracema conta que a cliente foi orientada em 2004 para regulamentar a documentação da área que foi agregada ao Parque Nacional de Jericoacoara.
O trâmite levou tempo, porque segundo os representantes da empresária, foi preciso revisitar diversos trâmites logísticos e burocráticos que envolvem uma sequência de requerimentos e produções de estudos e relatórios, a fim de comprovar que a União adentrou a propriedade privada.
Segundo a família, o Parque Nacional ocupou 1600 hectares, adentrando partes das três fazendas da empresária. O estado, no entanto, nunca indenizou a proprietária.
A disputa judicial com o ICMBio está correndo na justiça, com pedido de indenização por parte da autora. Os valores não foram revelados.
O que dizem as partes
O Instituto Chico Mendes (CMBio/MMA) afirma que vem conduzindo os processo de regularização fundiária nas áreas particulares sobrepostas ao Parque Nacional de Jericoacoara, conforme determina a legislação vigente. Sobre os processos judiciais, o instituto preferiu não enviar nenhum posicionamento.
Em nota divulgada, a PGE informa que um estudo revelou que Iracema possui documentos que comprovam a propriedade de uma grande parte da Vila de Jericoacoara, anterior à aquisição das terras pelo Estado.
Para evitar a remoção de moradores e a perda de seus negócios, a Procuradoria Geral do Estado (PGE-CE) negociou um acordo com a empresária, que renunciou a grande parte da área, incluindo as porções ocupadas por moradores e estabelecimentos comerciais, em favor do Estado.
A nota da PGE reforça que mesmo reconhecido como dono das terras, deverá seguir todas as leis ambientais e restrições municipais.
A CNN procurou a Prefeitura Municipal de Jijoca de Jericoacoara e o Conselho Comunitário de Jericoacoara, para um posicionamento sobre o caso, mas não obteve retorno até o momento.
O espaço segue aberto e a matéria será atualizada após o recebimento dos posicionamentos.