No Brasil, o Tribunal do Júri é um órgão do Poder Judiciário responsável por julgar crimes dolosos contra a vida. Nesta quinta-feira (10), Paulo Cupertino será julgado em Júri Popular pelo assassinato do ator Rafael Miguel e seus pais, em 2019. O julgamento será realizado no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo.
Mas como esse processo acontece? Quais são as etapas e quem participa? A CNN conversou com um Rafael Paiva, professor de direito criminal, para a entender como é feita a “Justiça Popular”.
Relembre a carreira do ator Rafael Miguel, morto por Paulo Cupertino
O processo no Tribunal do Júri é dividido em duas fases distintas. Elas são o Juízo de acusação e Juízo da causa. Na primeira etapa, a Justiça analisa se as provas são suficientes para levar o caso a julgamento pelo júri popular. É como se fosse um filtro para garantir que apenas os casos mais graves e com evidências sólidas cheguem ao Conselho de Sentença. No Caso Cupertino, essa situação já foi superada.
Relembre as mortes do ator Rafael Miguel e família
A segunda etapa, que acontece a partir desta quinta-feira, é a vez do júri popular entrar em ação. Composto por cidadãos comuns, sorteados para cada caso, o conselho de sentença tem a responsabilidade de decidir se Paulo Cupertino é culpado ou inocente. As acusações contra ele são de triplo homicídio qualificado. A pena para homicídio qualificado no Brasil é de 12 a 30 anos de reclusão.
No júri, a filha de Cupertino e a ex-esposa dele pediram para que fossem ouvidas de forma remota.
Como é formado e o que faz o Júri Popular
O júri popular é formado por sete pessoas aleatórias e consideradas idôneas da sociedade. Segundo a nossa Constituição, os crimes dolosos contra a vida – como as acusações que pesam contra Cupertino – devem ser julgados pelo tribunal do júri.
A decisão final em um julgamento por júri não cabe ao juiz, mas sim aos jurados. São essas pessoas comuns que têm o poder de absolver ou condenar o acusado.
“Portanto, no dia do julgamento os jurados são, de fato, os juízes da causa, ficando o juiz togado responsável por presidir o julgamento e, em caso de condenação pelo júri, aplicar a pena ao réu” resume Paiva.
Veja os disfarces que Cupertino usou em três anos de fuga
Durante o julgamento, os jurados ouvem as acusações, as defesas e as testemunhas. Ao final, o juiz presidente apresenta uma série de perguntas, chamadas de quesitos, que os jurados devem responder. Essas perguntas abordam questões como a materialidade do crime (se o crime realmente ocorreu), a autoria (se o acusado foi o autor do crime) e as circunstâncias do delito.
Segundo o especialista, a legislação não demanda uma decisão dos jurados de forma unânime para se obter uma condenação. O que vale na justiça penal é a maioria simples.
“Inclusive, nem mesmo é necessário abrir todos os votos se atingida a maioria na votação” pondera o professor de direito penal.
Para confirmar a condenação e/ou motivo torpe – caso de qualificação na acusação contra Cupertino – o juiz togado pode perguntar aos jurados “se o crime teve motivação fútil”, e interromper as respostas da votação se atingida a maioria por 4×0, 4×1, 5×1 etc., sem que haja necessidade de abrir as demais respostas.
Decisões recentes do STF modificaram Justiça Popular
Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu duas decisões que impactam diretamente os julgamentos perante o júri.
O STF decidiu que prisão é imediata após condenação no júri popular. A medida visa o cumprimento de pena logo após a decisão de condenação do júri, independentemente da pena que vier a ser aplicada pelo juiz togado e se o réu respondeu a todo processo em liberdade. No caso de Cupertino, em caso de condenação, o tempo em que esteve preso desde que foi capturado, será descontado do tempo total da pena aplicada.
“Nesse julgamento, o STF entendeu, por maioria, que o cumprimento de pena após a decisão do júri popular não viola o princípio da presunção de inocência e assegura a eficiência do sistema de justiça criminal”, explica Paiva.
Na segunda decisão, o Supremo definiu uma tese para que tribunal possa anular absolvição em júri. Segundo o professor, na prática, o Supremo restringiu a possibilidade de os jurados absolverem o réu por “clemência”.
“Ainda é possível a defesa sustentar a tese de “clemência” que, em termos práticos, representa um pedido humanitário de absolvição aos jurados. Segundo o STF, a absolvição por “clemência” é possível se a defesa indicar ao juiz togado que essa será a tese defensiva durante o julgamento, bem como a absolvição por essa razão poderá ser impugnada pelo Ministério Púbico (a acusação) visando a anulação do julgamento”, conclui Paiva.
A absolvição por clemência só ficará mantida, também, se for compatível com a Constituição e com precedentes já definidos pelo STF. A tese aprovada é a seguinte
“1 – É cabível recurso de apelação com base no artigo 593, iii, d, do CPP, nas hipóteses em que decisão do tribunal do júri, amparado em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária a prova dos autos.
2 – O tribunal de apelação não determinará novo júri quando tiver ocorrido apresentação constante em ata, de tese conducente a clemência ao acusado e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível pela Constituição, com os precedentes vinculantes do STF e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos.”