MARCOS CANDIDO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Assinaturas de artigos científicos têm sido vendidas na internet para candidatos a programas de residência médica de grandes universidades, como a USP (Universidade de São Paulo) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Os vendedores prometem a avaliação em até 2 horas e publicação em até dez dias a partir de R$ 500.
A suspeita, enviada ao Ministério Público de São Paulo (MPSP), é que os médicos estejam pagando pela inclusão em pesquisas das quais não participaram para aumentar as chances de aprovação nos programas de residência. Em alguns casos, em coautoria com médicos de outras instituições e estados. A AMB (Associação Médica Brasileira) tachou o esquema como “fraudulento”.
Os PRMs (Programas de Residência Médica) são destinados a médicos em busca de especialização. Para serem selecionados, eles são submetidos a provas, entrevistas e análise de currículo. Um autor de um artigo científico não garante uma vaga, mas pontua mais do que os demais.
Na lista que chegou ao MPSP, médicos de áreas como psiquiatria e cardiologia em busca de vagas na USP e na Unicamp assinam estudos na “Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences”, uma revista de odontologia.
Apesar do nome em inglês, a empresa mantém sede em Macapá (AP). A publicação de um artigo custa R$ 395, por pix, ou R$ 435, no cartão de crédito, e pode ser assinada por 12 pessoas com acesso a um modelo pronto, com descrições de como cada capítulo deve ser escrito.
Na mesma revista de odontologia, um artigo sobre anestesia e doenças musculares foi assinado por 12 médicos de universidades distintas, que vão de Aracaju, Florianópolis a Franca e Taubaté, no interior de São Paulo.
Em dezembro, ao menos dois dos autores deste estudo foram convocados para a segunda etapa do processo seletivo da Faculdade de Medicina da USP. Os 376 aprovados serão anunciados no dia 10 de fevereiro pela universidade.
O editor-chefe da publicação, o cirurgião-dentista Eber Coelho Paraguassu, do Amapá, enviou uma nota à reportagem em que chama de “infundados os questionamentos ou supostas acusações” de que a revista estaria “facilitando a publicação de médicos candidatos à residência médica”.
O texto da empresa também defende que a revista é voltada à área de ciências da saúde, mantendo uma revisão “célere e um processo editorial de publicação também muito ágil”, o que a torna atraente para médicos interessados em atuar em residências médicas pelo país.
“Não há motivos para rejeitarmos artigos que estejam dentro das normas do jornal, que tenham sido revisados e aprovados por nossos pareceristas e que estejam dentro do escopo e do interesse do jornal em publicá-los”, diz a nota. “Reiteramos nosso total e irrestrito compromisso com a ciência e com a seriedade nas publicações acadêmicas.”
Já na Revista FT, um artigo sobre a qualidade de vida de mães de crianças com TEA (transtorno do espectro autista) é assinado por 13 autores de áreas como medicina, enfermagem e psicologia de Goiânia, Rio de Janeiro, Natal, Recife, Manaus e Florianópolis.
A FT tem sede no Leblon, no Rio de Janeiro, e promete uma avaliação em 2 horas, publicação em até 10 dias ou até mesmo em um dia mediante negociação feita por WhatsApp. Tudo por R$ 500.
Em nota, a FT afirma que utiliza “revisão por pares, que é um processo no qual os artigos científicos são avaliados por especialistas antes de serem publicados. Existem alguns tipos de revisão por pares e aqui em nossa revista autores e revisores não se conhecem”.
“A forma de obtenção de pontos para quais concursos, sejam eles para ingresso em um programa de residência médica ou concursos, é uma forma fraudulenta, portanto, ilegal”, diz o médico César Eduardo Fernandes, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira).
Prática já era realizada
Em outubro, reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que um acadêmico de Goiânia cobrava R$ 100, parcelado em até três vezes, para inclusão de autores que não participaram de estudos científicos.
À época, o pesquisador afirmou se motivar pela demora de até um ano para a publicação em revistas científicas de maior renome na comunidade científica.
Nos casos de revistas de prestígio, os estudos são submetidos a uma banca avaliadora independente, com correções e recusa de projetos que não têm, por exemplo, um orientador reconhecido ou que tenha dados insuficientes.
Além do MPSP, a lista de autorias suspeitas foi compartilhada entre professores da USP, com a sugestão de um comitê para avaliar individualmente os currículos e até anular pontos de artigos vindos de determinadas revistas.
O MPSP afirma ter aberto uma investigação preliminar sobre o tema. Procurada, a Unicamp não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação desta reportagem.
A Faculdade de Medicina da USP afirma que “repudia veemente qualquer prática que envolva o uso de métodos fraudulentos para obtenção de vantagens acadêmicas, incluindo a compra de coautorias em artigos científicos ou utilização da plataformas que promovam publicações sem mérito legítimo” e que reforça a “importância de uma produção científica autêntica, autoral e fundamentada no esforço e dedicação de seus pesquisadores”.
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