O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta quarta-feira (25) o julgamento que decidirá se testemunhas de Jeová podem recusar transfusão de sangue em tratamentos realizados pelo Sistema Único da Saúde (SUS).
A premissa de não transfusão sanguínea é embasada em fundamentações religiosas e científicas. Enquanto alguns textos bíblicos citam as contradições entre a comunhão cristã e a abstenção de sangue, uma recomendação da OMS (Organização mundial de saúde) indica alternativas com potencial para tratamentos alternativos.
A CNN buscou a entidade que representa os Salões de Jeová para entender as motivações da posição em relação ao tratamento de transfusão de sangue. As informações foram apresentadas para analista Luísa Martins.
Por que as Testemunhas de Jeová não aceitam transfusão de sangue?
A religião das testemunhas de Jeová é uma denominação cristã que afirma ter cerca de 8,8 milhões de adeptos no mundo, com pregação em 239 países.
Segundo a entidade, as razões da negativa para transfusão de sangue se dão mais por motivos religiosos do que médicos.
A explicação, segundo a religião, está amparada tanto no Novo quanto no Velho Testamento. A fundamentação mais importante é que “Deus manda abstenção de sangue porque ele representa a vida, que é algo sagrado.”
Pois a vida de todo tipo de criatura é seu sangue, porque a vida está no sangue. Por isso eu disse aos israelitas: “Não comam o sangue de nenhuma criatura, porque a vida de todas as criaturas é seu sangue. Quem o comer será eliminado”
Levítico 17:14
Em outros trechos, a bíblia de Jeová ordena a rejeição a qualquer tipo de sangue, inclusive nos alimentos. Mais uma vez, diversas passagens tratam sobre a presença da “essência da vida” em desacordo com uma alimentação cristã.
Se algum homem da casa de Israel ou algum estrangeiro que mora entre vocês comer o sangue de qualquer criatura, eu certamente me voltarei contra aquele que comer o sangue, e o eliminarei dentre seu povo
Levítico 17:10
No livro, Deus é a alma, ou vida, que está no sangue e pertence a ele. Embora essa lei tenha sido dada apenas à nação de Israel, segundo a religião, ela mostra a importância que Deus dava a não comer sangue.
Segundo a religião, a história mostra que os primeiros cristãos não consumiam sangue, nem mesmo para fins medicinais. “Deus deu aos cristãos a mesma proibição que deu a Noé.”
Tratamento alternativo
A justificativa dos religiosos sobre os tratamentos com transfusão de sangue estão respaldadas por um posicionamento da OMS, que recomenda preferencialmente a abordagem centrada no desejo do paciente, o Patient Blood Managemen (PBM).
O procedimento está baseado em evidências que mostram resultados positivos no manejo e preservação do sangue. Entre os aspectos que essa abordagem abrange se destacam a prevenção e minimização da perda de sangue, através da otimização da massa eritrocitária do paciente. O PBM envolve muitas especialidades e não é restrito ao serviço de transfusão.
Durante o manuseio do sangue, alguns elementos incluem a prevenção de condições para que a transfusão de sangue seja evitável, através da promoção da saúde e identificação precoce das condições que resultem a necessidade de transfusão. Isso inclui boas práticas cirúrgicas, técnicas anestésicas que minimizem a perda sanguínea e o uso de métodos de conservação do sangue.
Entenda o julgamento
Como os fiéis se recusam a receber transfusão de sangue, seguindo os preceitos da religião, há o ajuizamento de processos buscando reconhecer o direito ao respeito e proteção à liberdade religiosa.
O julgamento aprecia a obrigação do Estado em custear tratamento alternativo, para que as pessoas que decidam não utilizar a transfusão de sangue, por motivo religioso, possam ser atendidas pelo sistema público.
A corte analisa dois casos. O primeiro se trata de uma mulher que se recusou a conceder autorização para transfusão de sangue durante cirurgia cardíaca, em Maceió. O hospital não realizou o procedimento diante da negativa. O segundo caso envolve um homem que pediu o custeio de uma cirurgia ortopédica.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem cinco votos a favor de reconhecer que é possível se recusar a passar por um procedimento médico específico por razões religiosas. Os processos são relatados pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
Os magistrados apresentaram propostas de teses específicas para cada caso, mas que vão no mesmo sentido de garantir o direito de recusa ao tratamento.
O processo relatado por Gilmar Mendes é o caso envolvendo a cirurgia cardíaca, enquanto Barroso relata o caso envolvendo a obrigação do SUS em custear o procedimento alternativo.
Segundo Barroso, que relata um dos casos, o direito à recusa de transfusão de sangue por convicção religiosa tem fundamento nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e a da liberdade de religião. O ministro também defende a tese da OMS, que recomenda a adoção de procedimento alternativo à transfusão de sangue.