Luigi Mangione, o homem suspeito de matar o CEO da UnitedHealthcare, Brian Thompson, na calçada de Nova York conseguiu escapar da polícia por dias – deixando até mesmo especialistas em aplicação da lei perplexos.
“O que me surpreende é o quão bem planejado foi o ataque em si e, ao mesmo tempo, o quão desleixado o assassino foi em seus movimentos – ao mostrar seu rosto, ao deixar para trás itens”, disse Steve Moore, um agente especial aposentado do FBI.
“Há uma espécie de dicotomia. É quase como se ele tivesse lido um livro sobre como realizar um desses ataques, mas não tivesse lido com cuidado. Ele cometeu erros sérios enquanto seguia em frente.”
A fuga terminou na segunda-feira (9) em um McDonald’s na Pensilvânia, onde a polícia prendeu Luigi Mangione em conexão com o assassinato.
Aqui está uma análise dos principais movimentos do suspeito, das evidências que ele deixou para trás e do que os especialistas dizem sobre sua estratégia:
Erros cometidos por Luigi Mangione antes do crime
Ele pegou um ônibus para Nova York e pagou em dinheiro: Luigi Mangione evitou de forma inteligente viajar de avião – e o intenso escrutínio que isso implica, disseram os especialistas.
Se ele tivesse pego um avião para Nova York, provavelmente teria que usar um cartão de crédito, mostrar sua identidade e revelar todo o seu rosto sob as câmeras de segurança. Se estivesse com uma arma na hora, provavelmente ela teria sido detectada durante a triagem das bagagens.
Em vez disso, o suspeito pegou um ônibus da Greyhound para Nova York, disseram fontes da polícia à CNN.
Ao viajar de Greyhound, o suspeito “pagou em dinheiro, sem identidade”, disse Richard Esposito, ex-Comissário Adjunto da polícia de Nova York.
“Essa é uma das razões pelas quais as pessoas pegam ônibus da Greyhound. Há uma grande liberdade e anonimato para ir e vir como quiser.”
Quase uma semana após o assassinato, ainda não está claro onde o suspeito embarcou no ônibus. O veículo iniciou sua rota em Atlanta, mas as autoridades não sabiam se o suspeito embarcou em Atlanta ou em outro lugar.
Detetives do Departamento de Polícia de Nova York viajaram para a Geórgia e revisaram as imagens de vigilância da estação da Greyhound em Atlanta, mas não encontraram sinais do suspeito, informaram fontes da polícia à CNN. Os detetives retornaram a Nova York.
Os investigadores ainda tentam determinar onde o suspeito embarcou, disse John Miller, analista chefe de inteligência e aplicação da lei da CNN.
Ele chegou antes e ficou em um albergue e pagou em dinheiro novamente: Mangione chegou à rodoviária da Port Authority em Manhattan no dia 24 de novembro – 10 dias antes do assassinato, disseram as autoridades.
Ele se registrou em um albergue no Upper West Side de Manhattan usando uma carteira de motorista falsa de New Jersey, disse uma autoridade policial à CNN.
Embora os hotéis geralmente exijam um cartão de crédito para reservar um quarto, alguns albergues não fazem essa exigência. O suspeito pagou em dinheiro pela sua estadia, afirmou uma autoridade policial a Miller.
Ao pagar em dinheiro, Mangione conseguiu evitar um rastro digital ligado a cartões de crédito ou contas online.
Parece que ele usou dinheiro durante seus 10 dias em Nova York, período no qual finalizou os planos para o assassinato e sua fuga.
“Ele abaixa a máscara e dá aquele grande sorriso”, disse Miller. “Aquela pequena flerte entre os dois, de uma forma bem-humorada, na verdade resultou no que até agora é a pista mais significativa para identificá-lo.”
A decisão de revelar seu rosto pode ter sido estratégica, disse Miller.
“Ele pode ter calculado, ‘Vou parecer mais suspeito se não fizer isso’”, disse Miller.
Mas abaixar a máscara para revelar o rosto foi “um dos maiores erros dele”, disse Daniel Brunner, ex-agente especial do FBI.
A polícia posteriormente divulgou uma foto tirada de uma câmera de segurança dentro de um táxi, que mostrou uma imagem clara dos olhos do suspeito.
Na segunda-feira, um funcionário do McDonald’s em Altoona, Pensilvânia, percebeu que um homem comendo no restaurante se parecia com o suspeito. Os policiais de Altoona correram até o local e prenderam Luigi Mangione para aguardar a chegada dos detetives de Nova York.
Ele usou uma arma fantasma, que não é rastreável: A arma vista nas imagens de vigilância era tão incomum que até veteranos da polícia ficaram confusos.
“Eu não estava familiarizado com essa arma de jeito nenhum”, disse Charles Ramsey, analista sênior de segurança pública da CNN, ex-chefe de polícia da Filadélfia e de Washington, DC.
O homem preso na Pensilvânia estava com uma “arma fantasma” quando foi revistado pela polícia local em um McDonald’s, disse o chefe de detetives da polícia de Nova York, Joseph Kenny, na segunda-feira.
“Ele estava em posse de uma arma fantasma que tinha a capacidade de disparar um projétil de 9mm e um sinlenciador”, disse ele. Um silenciador abafa o som do disparo.
Armas fantasmas são armas de fogo automontadas e irreconhecíveis, frequentemente montadas com peças vendidas online – às vezes em apenas 30 minutos. As armas não possuem números de série, o que dificulta seu rastreamento e regulamentação.
Verificações de antecedentes não são exigidas para comprar kits para montar armas fantasmas online. Assim, os compradores podem contornar os requisitos que normalmente acompanham a compra de uma arma de fogo.
A arma encontrada com o suspeito pode ter sido impressa em 3D, disse Kenny. Ele afirmou que a polícia obterá mais detalhes após os testes balísticos.
Luigi Mangione também cometeu erros depois do crime
Ele continuou deixando evidências para trás (e aparentemente não se importou em deixar DNA): Logo após o assassinato nas primeiras horas da manhã, o suspeito aparentemente deixou um rastro de evidências.
Uma garrafa de água da Starbucks descartada, um embrulho de barra de cereal e um celular descartável forneceram material genético e uma impressão digital parcial para a polícia investigar. Mais tarde, uma mochila diferente, fácil de ser identificável, semelhante à que o atirador usava, foi encontrada no Central Park.
Deixar a mochila no Central Park pode parecer “um erro crucial”, disse a criminologista Casey Jordan após a polícia encontrar a bolsa na sexta-feira (6).
“Mas eu não subestimo a inteligência desse suspeito em particular”, afirmou. “Houve tanto planejamento envolvido nisso… Não podemos descartar a possibilidade de que ele tenha planejado que nós encontrássemos a mochila, deixando pistas lá dentro, coisas que poderiam desviar a investigação.”
Após a polícia levar a mochila para um laboratório e abri-la cuidadosamente, não encontraram a arma do crime – apenas uma jaqueta e dinheiro de jogo de Monopoly.
Deixar a mochila para trás pode ter sido uma jogada inteligente por parte do suspeito, disseram especialistas em aplicação da lei. Seria mais fácil vincular o suspeito ao crime se ele ainda estivesse usando a mesma mochila diferente.
As autoridades esperavam que amostras de DNA da embalagem da barra de cereal e da garrafa de água – além de uma impressão digital parcial no celular – ajudassem a identificar o suspeito. No entanto, os testes não encontraram correspondências de DNA ou impressões digitais nas bases de dados de aplicação da lei.
O suspeito pode ter deixado intencionalmente algumas evidências para confundir os investigadores, disse Jordan.
“A garrafa de água que eles encontraram e acreditam que ele tenha descartado, ele poderia tê-la retirado do lixo na Starbucks antes de sair de lá. Ela pode ter o DNA de outra pessoa”, afirmou.
“Você simplesmente não sabe o nível de planejamento e sofisticação que ele colocou nisso.”
Mas agora que o suspeito foi preso, “eles vão coletar amostras de DNA dele – mesmo que precisem de um mandado de busca para isso – e então comparar com o DNA recuperado”, disse Miller.
Ele planejou um caminho complexo para sair de Nova York: ainda não está claro como o atirador sabia que Thompson passaria por ele em frente a um hotel por volta das 6h44 da manhã no horário local, mas o atirador se posicionou atrás de um carro minutos antes de Thompson passar. Ele então caminhou em direção ao CEO e atirou nele por trás.
Imediatamente após os disparos, o suspeito fugiu do local, subiu em uma bicicleta elétrica, pedalou até o Central Park, abandonou a bicicleta, chamou um táxi e foi até um terminal de ônibus com destinos intermunicipais, disseram as autoridades.
A estratégia de fuga complexa do suspeito pode indicar que ele praticou cada etapa com antecedência – desde o local do ataque no hotel até sua aparente saída de Nova York, disse o ex-agente especial do FBI Ken Gray à CNN.
“O fato de ele ter conseguido chegar a esse local, estar lá a tempo, atirar em Thompson e depois pegar a bicicleta e sair de lá, indo para um ônibus e saindo da área, de Nova York, tão rapidamente – isso mostra que ele praticou isso, que sabia o que estava fazendo no que diz respeito à rota de fuga da área”, disse Gray.
Aparentemente, ele se esqueceu de se livrar de seus documentos falsos: embora o suspeito tenha descartado sua mochila, garrafa de água, embalagem de barra de cereal e celular descartável, ele manteve algumas evidências com ele, disse a polícia.
Após Mangione ser avistado no McDonald’s, os investigadores descobriram que ele possuía vários documentos falsos – incluindo um que a polícia acredita ter sido usado por ele em Nova York, disseram múltiplas autoridades de aplicação da lei a Miller.
A polícia também encontrou uma arma com um silenciador, semelhante ao usado no assassinato de Thompson, disseram as autoridades.
Essas descobertas talvez não tivessem surgido sem a sinergia entre a polícia, a mídia e o público.
“Por pouco mais de cinco dias, nossos investigadores de Nova York vasculharam milhares de horas de vídeo, seguiram centenas de dicas e processaram cada pedaço de evidência forense — DNA, impressões digitais, endereços IP e muito mais — para apertar o cerco”, disse a comissária de polícia, Jessica Tisch.
Ela creditou à mídia a divulgação do caso e elogiou os membros do público que se apresentaram com informações.
“Jamais devemos subestimar o poder do público em ser nossos olhos e ouvidos nessas investigações”, disse Tisch.
Mark Morales, Ryan Young, Elise Hammond, Dakin Andone, Dalia Faheid e Elizabeth Wolfe, da CNN, contribuíram para esta reportagem.