A distância entre Manaus e o deserto do Saara é de aproximadamente seis mil quilômetros, mas ambos vivem crises ambientais. O que pode parecer distante geograficamente, está mais interligado do que parece.
No Amazonas, no começo de outubro, o Rio Negro marcou 12,66 metros, o menor nível em mais de 120 anos, sendo que o recorde foi no ano passado, em 2023, quando bateu 12,70 metros. Já o Rio Solimões, outro principal afluente do bioma amazônico, chegou a apenas a dois metros de profundidade em alguns trechos.
Enquanto isso, inundações históricas modificaram radicalmente o Deserto do Saara, no continente africano. Lagos emergindo entre as dunas, chuvas de até 200 mm de precipitação em algumas regiões, transformaram uma das regiões mais áridas do planeta em um ambiente convidativo para um banho.
Para José Marengo, climatologista e coordenador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), apesar de serem eventos climáticos separados, ambos são categorizados da mesma maneira.
“Todos esses fenômenos são categorias de extremos. Essa tendência de extremos mais intensos está associada ao aquecimento global, e o aquecimento de certa forma está ligado às atividades humanas, como desmatamento e extração de combustíveis fósseis”, afirma Marengo em entrevista à CNN.
Lagos no Saara
O cientista peruano, que trabalha há décadas no Brasil, anteriormente atuou no INPE e também foi membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), explica que os ‘lagos’ no Saara estão conectados ao furacão Milton.
“O que acontece no Saara é uma consequência de uma chuva intensa, não é algo permanente. Águas quentes na região norte do Atlântico causam furacões no Golfo do México. Na região da África, nasce o furacão que se desloca para os Estados Unidos. Essa água estava muito quente, causando muita evaporação e mudanças na circulação atmosférica”, afirma o climatologista.
Seca no Amazonas
No Brasil, a grave seca que afetou 62 municípios do Amazonas e colocou quase 750 mil pessoas em estado de emergência. “Eventos de chuvas extremas formam lagos na parte norte do Peru, que têm areias onde se formam lagos. Essa massa de ar quente no centro impede a formação de chuva, tornando o clima mais seco”, explica Marengo.
A falta de chuva no Amazonas teve impacto em outro fenômeno extremo que assolou o país em abril, as chuvas no Rio Grande do Sul, que mataram pelo menos 170 pessoas.
“As chuvas que vinham da Amazônia terminavam na própria Amazônia ou no sul do Brasil, mas agora, as frentes frias que vieram do sul do planeta não conseguiram passar do Rio Grande do Sul, causando as tempestades de abril deste ano”, diz o cientista.
Marengo explica que o chamado ‘período seco’ no Amazonas é normal, mas vem se intensificando cada vez mais. “Na Amazônia, há uma seca regional, uma pressão atmosférica que não permite a entrada de chuva, deixando-a concentrada. Não sabemos como será daqui pra frente”, finaliza Marengo.