A repressão à dissidência política na Venezuela durante as controversas eleições presidenciais é a mais mortal dos últimos anos, de acordo com uma nova análise da Human Rights Watch.
O grupo de direitos humanos afirma ter documentado 11 assassinatos que teriam ocorrido no contexto de protestos políticos em massa após as eleições presidenciais, quando o líder autoritário Nicolás Maduro reivindicou um terceiro mandato como presidente.
“Em média, [este ano] é muito mais intenso em termos do número de pessoas que morreram no contexto de violência e protestos pós-eleitorais”, disse a diretora da HRW Américas, Juanita Goebertus, à CNN.
De acordo com os números do próprio governo venezuelano, pelo menos 2.400 pessoas foram detidas, incluindo vários menores de idade, e organizações não governamentais (ONGs) relataram 24 pessoas mortas.
“Em termos de prisões, mais de 2.400 [pessoas detidas], o que está bem acima dos dados que vimos em 2014 e 2017”, acrescentou Goebertus, referindo-se a ciclos anteriores de protestos na Venezuela que também foram violentamente reprimidos.
Os apoiadores da oposição correram o risco de serem presos e agredidos por mostrarem a sua raiva pelo resultado da votação.
A coligação da oposição venezuelana afirma que as eleições foram roubadas e reuniu atas eleitorais de todo o país para apoiar a tese de que o candidato Edmundo González realmente ganhou a Presidência.
Entretanto, as autoridades venezuelanas ainda não divulgaram registros detalhados da votação para verificar o resultado.
Para analisar os 11 homicídios, a HRW diz que revisou certidões de óbito, verificou 39 vídeos e duas fotografias e entrevistou mais de 20 pessoas.
Em vários casos, a análise da HRW concluiu que as forças de segurança do Estado ou as milícias alinhadas com o governo estiveram provavelmente envolvidas nas mortes.
Em um dos casos, a HRW afirma ter verificado três vídeos em que membros da Guarda Nacional são vistos disparando gás lacrimogéneo e balas de borracha para dispersar um protesto em El Valle, um bairro popular de Caracas, em 29 de julho, menos de 24 horas depois de Maduro ser declarado o vencedor.
Vídeos geolocalizados pela HRW supostamente mostram dois feridos, Anthony García, 20, e Olinger Montaño, 23, sendo carregados por manifestantes.
Ambos morreram poucas horas depois devido a tiros e ferimentos no peito, de acordo com suas certidões de óbito revisadas pela HRW.
Em outro incidente ocorrido em Maracay, no estado de Aragua, seis pessoas morreram devido a ferimentos a bala, segundo o relatório.
Entre eles estava Rances Yzarra, um engenheiro civil que participou nos protestos por “frustração com a falta de mudanças”, segundo um amigo citado pela HRW.
Assim como García e Montaño, Yzarra foi morto por uma bala que perfurou seus órgãos torácicos, causando choque hemorrágico agudo, de acordo com sua certidão de óbito, que a HRW disse ter revisado.
A CNN não pôde verificar de forma independente as alegações do relatório.
Após os protestos, o procurador-geral Tarek William Saab pareceu contestar os relatos de assassinatos, alegando que os ativistas da oposição estavam fingindo as suas próprias mortes e simulando ferimentos usando ketchup.
Mais tarde, ele se retratou quando o próprio Maduro reconheceu dezenas de mortes, dizendo que elas ocorreram nas mãos de grupos criminosos.
Outro motivo de preocupação, disse Goebertus à CNN, é uma nova lei aprovada em 15 de Agosto que restringe as acções de ONG locais e grupos de direitos humanos, muitos dos quais foram fundamentais na recolha de provas por trás do relatório da HRW.
“Não é nenhuma surpresa que este projeto de lei seja aprovado exatamente neste momento, permitindo ao governo processar criminalmente aqueles que representam organizações não-governamentais. Se for adiante, a possibilidade de ficarmos completamente cegos em termos de repressão vai ser muito real na Venezuela”, concluiu.