Dois ex-oficiais de inteligência sírios de alto escalão foram acusados de crimes de guerra por supostamente torturarem americanos e outros civis que eram considerados inimigos pelo governo sírio e mantidos em uma prisão militar, declarou o Departamento de Justiça na segunda-feira (9).
Promotores dos Estados Unidos dizem que os funcionários do regime do ex-presidente Bashar al-Assad supervisionaram as operações das instalações de detenção no Aeroporto Militar de Mezzeh, perto de Damasco.
No local, os detidos teriam sido espancados, eletrocutados, pendurados pelos pulsos, queimados com ácido e tiveram suas unhas dos pés removidas.
Os supostos crimes ocorreram durante a guerra civil que assolou o país por mais de uma década e culminou na queda extraordinária do regime de Assad no último fim de semana.
Quem são os acusados?
Os ex-oficiais de inteligência da força aérea síria Jamil Hassan, 72, e Abdul Salam Mahmoud, 65, “criaram uma atmosfera de terror na Prisão de Mezzeh”, alegaram os promotores.
Eles foram acusados de conspiração para cometer crimes de guerra por meio de tratamento cruel e desumano, conforme acusação não selada apresentada em um tribunal federal em Chicago.
Mandados de prisão para eles foram emitidos enquanto os acusados estão foragidos, explicou o Departamento de Justiça.
“Os perpetradores das atrocidades do regime de Assad contra cidadãos americanos e outros civis, durante a guerra síria, devem responder por seus crimes hediondos”, exclamou o procurador-geral dos EUA Merrick Garland, em uma declaração.
Segundo ele, o Departamento de Justiça “tem uma longa memória, e nunca pararemos de trabalhar para encontrar e levar à justiça aqueles que torturaram americanos”.
Crimes
As supostas torturas ocorreram entre janeiro de 2012 e julho de 2019 contra aqueles que o regime de Assad chamava de “inimigos” — sendo predominantemente cidadãos sírios, mas também estrangeiros e pessoas com dupla nacionalidade, incluindo americanos, conforme acusação.
Hassan, o diretor da agência de inteligência da Síria que supervisionava uma rede de instalações de detenção, e Mahmoud, que dirigia as operações na prisão de Mezzeh, com “seus co-conspiradores, concordaram em identificar, intimidar, ameaçar, dissuadir, punir, imobilizar e matar indivíduos que o regime sírio suspeitava ajudar e apoiar os oponentes armados do regime. Fazendo isso por meio de protestos anti-governo, fornecimento de assistência médica e críticas públicas a Assad, no conflito armado entre o presidente e a oposição síria”, disse a acusação.
Quem é a família de Bashar al-Assad, que governou a Síria por mais de meio século
O Departamento de Justiça informou que, além da tortura física, os detidos na prisão foram forçados “a ouvir os gritos de prisioneiros torturados e compartilhar celas com os cadáveres de outros detidos, enquanto os guardas ameaçavam matar e agredir sexualmente seus familiares. Os presos também foram supostamente privados de comida, água e cuidados médicos adequados”.
A vice-procuradora-geral, Lisa Monaco, exclamou em uma declaração.
“Pela segunda vez em um ano, o Departamento de Justiça apresentou acusações contra aqueles que cometeram crimes de guerra contra cidadãos dos EUA, implantando uma lei federal não utilizada anteriormente para responsabilizar indivíduos que se envolveram em atrocidades cruéis e desumanas durante conflitos armados.”
No ano passado, quatro soldados russos foram acusados de crimes de guerra contra um americano que estava vivendo na Ucrânia durante a invasão de Moscou.
Marcando a primeira vez que o governo dos EUA usou uma lei de décadas visando processar aqueles que cometem crimes de guerra contra cidadãos americanos.
“Hassan e Mahmoud supostamente supervisionaram o uso sistemático de tratamento cruel e desumano em inimigos percebidos do regime sírio, incluindo cidadãos americanos”, falou o diretor do FBI, Christopher Wray.
Wray contou que o serviço de inteligência está “totalmente comprometido em trabalhar com nossos parceiros de aplicação da lei ao redor do mundo para garantir que esses supostos criminosos de guerra sejam responsabilizados por suas ações e que a justiça seja feita às vítimas dessas atrocidades.”
Queda de Bashar al-Assad
No domingo, após 13 anos da guerra civil que fragmentou o país, o regime de Assad desmoronou.
Combatentes rebeldes declararam Damasco “libertada” em uma fala em um vídeo na televisão estatal, fazendo com que Assad fugisse para a Rússia.
Mais de 300 mil civis foram mortos em mais de uma década de guerra e milhões de pessoas foram deslocadas, segundo as Nações Unidas.
Por meio século, a família Assad governou a Síria com punho de ferro, com relatos documentados de tortura em massa, execuções extrajudiciais e atrocidades contra seu próprio povo.
As notórias instalações de detenção de Assad eram buracos negros onde qualquer um considerado um oponente do regime desaparecia, com relatos generalizados de tortura e condições desumanas.
Mas, conforme os rebeldes se mudavam para Damasco, o vídeo mostrava prisioneiros sendo libertos das notórias instalações.