Com o cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah, uma resolução das Nações Unidas aprovada há 18 anos ressurgiu como um modelo para acabar com a guerra.
Nesta terça-feira (26), o gabinete de segurança israelense aprovou um acordo de cessar-fogo. A cessação das hostilidades por 60 dias visa implementar a Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, com a esperança de se tornar uma base para uma trégua duradoura.
A Resolução 1701 foi adotada para pôr fim a uma guerra de 34 dias entre Israel e o Líbano em 2006, e manteve uma relativa calma na região durante quase duas décadas. Isso durou até ao dia seguinte ao ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro do ano passado, quando o Hezbollah atacou em apoio ao grupo palestino, dando início a mais de um ano de conflito.
A resolução estipulava que Israel devia retirar todas as suas forças do sul do Líbano e que os únicos grupos armados presentes no sul do rio Litani deveriam ser os militares libaneses e as forças de manutenção da paz da ONU.
Os Estados Unidos, que fazem a mediação entre Israel e o Líbano no conflito atual, acreditam que um regresso aos princípios da resolução é do interesse de ambas as partes, mas insistiram em um mecanismo para aplicá-la de forma mais estrita.
Israel argumentou que o Hezbollah violou a resolução várias vezes ao operar perto da fronteira. O Líbano afirma que Israel violou regularmente o acordo nas últimas duas décadas, ao enviar caças para o seu espaço aéreo.
Uma breve história
Israel lançou uma invasão ao Líbano em 1982, enviando tanques até à capital Beirute, depois de ser atacado por militantes palestinos no país.
Forças israelenses ocuparam então o sul do Líbano durante quase duas décadas, até ao ano 2000, quando foram expulsas pelo Hezbollah, criado – com o apoio do Irã – para resistir à ocupação israelense.
Em 2000, a ONU estabeleceu a chamada Linha Azul, uma “linha de retirada” para as forças israelenses do Líbano. Essa demarcação serve agora como fronteira de fato entre os dois países.
No entanto, o Líbano alegou que Israel não completou a sua retirada do país, continuando a ocupar as Fazendas Shebaa, um pedaço de terra de 39 km que Israel detém desde 1967.
Israel afirma que a área das Fazendas Shebaa faz parte das Colinas de Golã, que capturou da Síria e posteriormente anexou. A comunidade internacional – com a notável exceção dos Estados Unidos – considera as Colinas de Golã um território ocupado pertencente à Síria.
Israel invadiu novamente o Líbano em 2006, depois de o Hezbollah ter matado três soldados e raptado outros dois – num esforço para obrigar a libertação de prisioneiros libaneses. A guerra durou pouco mais de um mês e resultou na morte de mais de 1.000 libaneses, a maioria civis, bem como de 170 israelenses, a maioria soldados.
Em 11 de agosto de 2006, o Conselho de Segurança da ONU adotou por unanimidade a Resolução 1701, que apelava à “cessação total das hostilidades” por parte do Hezbollah e de Israel.
A resolução exigia que Israel retirasse todas as suas forças do sul do Líbano e que o governo libanês e a Força Interina da ONU no Líbano (UNIFIL) “deslocassem as suas forças em conjunto por todo o sul”. Nenhum outro agente armado seria permitido na área.
A resolução também pediu ao governo libanês “para exercer a sua plena soberania, para que não haja armas sem o consentimento do Governo do Líbano e nenhuma outra autoridade senão a do Governo do Líbano”.
Uma força de manutenção da paz da ONU com 10.000 soldados, a UNIFIL é o principal órgão encarregado de implementar a Resolução 1701 no terreno.
Uma troca de prisioneiros mediada pela ONU entre Israel e o Hezbollah em 2008 resultou na devolução dos restos mortais dos dois soldados israelenses capturados em 2006 para cinco prisioneiros libaneses. Mais tarde, Israel libertou os corpos de cerca de 200 árabes.
Escalada desde 8 de outubro
O Hezbollah começou a disparar contra as Fazendas Shebaa, controladas por Israel, em 8 de outubro de 2023, em solidariedade aos palestinos de Gaza, um dia depois que o Hamas lançou um grande ataque ao sul de Israel, matando aproximadamente 1.200 pessoas e tomando outros 251 reféns. Israel disparou de volta.
Entre 8 de outubro de 2023 e o final de junho, a UNIFIL detectou 15.101 ataques transfronteiriços, das quais 12.459 eram de Israel para o Líbano e 2.642 do Líbano para Israel, disse a ONU em 1º de outubro, acrescentando que “embora a maioria das trocas de tiros tenha ficado restrita a poucos quilômetros de cada lado da Linha Azul, vários ataques atingiram até 130 km no Líbano e 30 km em Israel.”
Desde então, os ataques continuaram, mas foram contidos ao longo da fronteira Israel-Líbano, até setembro deste ano, quando Israel expandiu os seus objetivos de guerra para incluir o regresso dos moradores israelenses ao norte.
Como cada parte vê a Resolução 1701
A proposta transmitida pelos EUA ao Líbano se enquadra nos parâmetros da Resolução 1701 da ONU e visa alcançar uma cessação das hostilidades por 60 dias, disse um oficial libanês à CNN.
O texto foca em mecanismos mais rigorosos para implementar a Resolução 1701 no sul do país e no papel do exército libanês ao fazê-lo, disse o responsável, acrescentando que também trata das rotas de contrabando através das fronteiras internacionais do país.
A proposta também exige a retirada das forças terrestres israelenses, que operam no sul do Líbano desde outubro.
Mas algumas autoridades em Israel disseram que simplesmente voltar a adotar a Resolução 1701 não é suficiente, insistindo que Israel deve manter o direito de atacar alvos do Hezbollah no Líbano após um acordo de cessar-fogo, caso ocorram violações.
Bezalel Smotrich, o ministro das finanças israelense de extrema direita, disse que “a plena liberdade operacional” para os militares israelenses no sul do Líbano é “uma condição inegociável”.
“Estamos mudando o paradigma de segurança e não voltaremos a décadas de conceitos de contenção e ameaças sem resposta. Isso não vai acontecer novamente”, disse ele.
O porta-voz do Departamento de Estado americano, Matthew Miller, disse que “tem havido uma troca de ideias diferentes sobre como ver o que acreditamos ser do interesse de todos, que é a plena implementação da Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU”.