“La tasweer! La tasweer!” (“Não filme! Não filme!”) gritou o general, com os olhos brilhando de raiva, o maxilar cerrado enquanto ele avançava em nossa direção. Alguns combatentes saltaram da traseira do caminhão da milícia que estava na frente, espalhando-se ao redor do nosso veículo, com os rifles em punho.
O segundo caminhão que nos seguia, de cor bege e carregado com uma metralhadora pesada, parou abruptamente ao nosso lado, nos cercando.
Houve um momento de pânico — eles iriam atirar em nós?
Viemos a Darfur, no Sudão, para relatar a pior crise humanitária do mundo, sem nunca pretender fazer parte da história. Mas meses de planejamento foram por água abaixo em instantes, quando fomos detidos por uma milícia liderada pelo homem que todos chamavam de general.
O cinegrafista Scott McWhinnie entregou a câmera, assegurando-lhe: “Não estamos filmando, não estamos filmando.” O produtor Brent Swails saiu rapidamente do nosso caminhão para tentar acalmar a situação.
“Estamos bem? Estamos bem?”, ele perguntou.
De repente, o general nos deu as costas e pegou um rifle de um de seus soldados, antes de mirar na savana pontilhada de árvores. Fiquei aliviada que a arma não estava apontada para nós, mas ainda perturbada por seu comportamento errático.
Olhei suplicante para o nosso motorista. “O que está acontecendo?”. Seu rosto estava pálido. “Não sei”, ele disse.
O general disparou uma bala. O alvo parecia ser um pássaro. Ele errou.
Chegamos a Darfur do Norte no dia anterior. O objetivo era chegar a Tawila, uma cidade sob o controle do SLM-AW, uma facção do Movimento de Libertação do Sudão, liderada por Abdul Wahid al-Nur, um partido neutro na guerra civil do Sudão.
Depois de muitos meses sem conseguir permissão das Forças Armadas Sudanesas (SAF) ou das Forças de Apoio Rápido (RSF) para visitar Darfur, o convite da liderança do SLM-AW para visitar Tawila parecia a maneira mais segura de entrar e contar a história.
Tawila fica a 51 quilômetros a sudoeste da cidade sitiada de El Fasher, que é a linha de frente da luta pela região de Darfur. Como resultado, tornou-se uma espécie de refúgio para as dezenas de milhares de pessoas que fogem da cidade.
Mas quando chegamos ao ponto de encontro combinado na cidade de Abu Gamra, nossos anfitriões não estavam em lugar nenhum. Em vez disso, uma milícia rival estava no lugar deles. Eles tinham duas caminhonetes Toyota Land Cruiser, carregadas com granadas de propulsão a foguete e metralhadoras pesadas.
Nosso motorista foi levado acorrentado para a prisão da cidade.
Por três horas, fomos interrogados, um por um, em uma pequena sala sem janelas. Cerca de oito homens fizeram as perguntas. “Por que você está aqui?”. “Quem o enviou aqui?”. “Quem lhe deu permissão para estar aqui?”.
Respondemos aos questionamentos deles, mas não obtivemos nenhuma informação em troca: quem eram esses homens ou o que eles queriam conosco.
Quando o motorista retornou, mais tarde, sem as correntes, houve um breve momento de otimismo. Talvez fôssemos escoltados até a fronteira e simplesmente instruídos a não retornar.
Mas os militantes nos colocaram em nosso veículo e nos ordenaram a segui-los. Nosso comboio rapidamente desviou para uma estrada de terra, indo mais fundo em Darfur.
Foi nesse ponto que o general parou seu veículo de repente e começou a gritar conosco, antes de disparar sua arma. O objetivo, presumivelmente, era nos assustar. Funcionou.
Paramos novamente, talvez uma hora depois, em um leito de rio seco ladeado por árvores. Os combatentes mais jovens estenderam uma esteira e trouxeram um frasco de leite de camelo para o general e outro homem mais velho conhecido como chefe de segurança, que usava um turbante e óculos escuros para esconder um olho faltando.
Tremendo, tirei meus sapatos e sentei-me na frente deles.
“Por favor, estamos com muito medo”, eu disse a eles em árabe hesitante. “Eu sou mãe. Tenho três meninos pequenos”, adicionei.
O general pareceu desinteressado, mas eu pude ver o rosto do chefe de segurança suavizar.
“Não tenha medo, não tenha medo”, ele me assegurou, “nós somos seres humanos”.
O chefe de segurança nos pediu os números de telefone dos nossos parceiros, para que ele pudesse ligar para eles e garantir que estávamos bem.
Relutantemente, eu entreguei a ele o número do meu marido — não querendo em colocar minha família em qualquer estresse, mas consciente de que também poderia ser uma maneira de nossos captores verificarem minha história.
Mais tarde, descobriríamos que uma pessoa que falava inglês havia ligado para meu marido e para a esposa de Scott da cidade de Port Sudan, a milhares de quilômetros de onde estávamos presos, para dizer que estávamos seguros e com boa saúde, mas ameaçando que ficaríamos presos por muitos anos se eles falassem sobre isso com alguém.
Nas 48 horas seguintes, fomos mantidos sob guarda armada pelo general, o chefe de segurança e cerca de uma dúzia de soldados, alguns que não pareciam ter mais de 14 anos.
Nossa detenção foi ao ar livre, sob acácias. Como a única mulher, e sem espaço privado para me aliviar, limitei minha ingestão de água e comida. O sono, quando veio, foi uma misericórdia, um alívio da sensação de pânico por não saber quando eu seria capaz de ver meus filhos novamente.
No nosso último dia em que estivemos sob o poder da milícia, o general e o chefe de segurança desapareceram por cerca de seis horas, deixando-nos sob a custódia de seus jovens combatentes.
Em um momento, vários deles nos disseram para tirar nossas malas do veículo, dizendo que estavam levando nosso motorista ao mercado local.
Nós quatro nos entreolhamos inquietos. Eles estavam planejando nos abandonar? Ou nos entregar a outro grupo? Não tínhamos escolha a não ser fazer o que nos foi dito e descarregar nosso equipamento.
Mais tarde, quando o general e o chefe de segurança retornaram, eles estavam de bom humor.
“Foi decidido que vocês serão soltos amanhã”, eles nos disseram. “Pensamos que vocês eram espiões, mas agora podem ir para casa”, comentaram.
Uma onda de alívio percorreu meu corpo. Houve sorrisos e apertos de mão com nossos captores. Posamos desajeitadamente para uma fotografia na beira do tapete que havia sido nossa prisão improvisada.
Nossa provação havia acabado. Estávamos ilesos e logo voltaríamos para casa. O medo e a preocupação rapidamente foram substituídos por um sentimento de amarga decepção, de fracasso.
Nunca chegamos a Tawila. Nunca conseguimos falar com as pessoas em Darfur cujas vidas foram mastigadas por esta cruel guerra civil.
Histórias não contadas que o mundo talvez nunca ouça.
Desafios para acesso e entrega de ajuda
Como jornalista, ninguém nunca quer se tornar a história. E, no entanto, nossa experiência é instrutiva para entender as complexidades do conflito em Darfur e os desafios de levar comida e ajuda para aqueles que mais precisam e levar a história para o mundo.
Durante nossa jornada de entrada e saída de Darfur do Norte, passamos muitas horas atravessando a região remota em trilhas arenosas. Tivemos que cavar para conseguir desatolar o carro mais de 10 vezes e tivemos um pneu furado pelo menos uma vez por dia.
Não há estradas pavimentadas na área, o que torna a distribuição de ajuda ainda mais desafiadora.
Mas onde caminhões resistentes com pneus apropriados podem ajudar a agilizar esse processo, a questão de obter acesso ao território é um problema muito mais difícil de resolver.
O estado de Darfur do Norte é o centro de alguns dos combates mais pesados entre a RSF e a SAF.
Partes do estado estão sob o controle de diferentes milícias com objetivos diferentes, que mudam regularmente de alianças. Você pode ter a garantia de passagem segura de uma, apenas para ser bloqueado 10 quilômetros abaixo na estrada.
Em agosto, em conversas lideradas pelos Estados Unidos sobre o Sudão em Genebra, as Forças Armadas Sudanesas concordaram em permitir o fluxo de ajuda por Adre, o maior ponto de fronteira entre o Chade e Darfur.
Mas menos de 200 caminhões entraram nos últimos dois meses — uma fração do que é necessário — e apenas um alguns deles chegaram ao campo de Zamzam, atingido pela fome, fora de El Fasher, onde quase meio milhão de pessoas estão lutando para sobreviver.
No início deste mês, a Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou que estava tendo que suspender suas operações em Zamzam.
“O mundo não nos vê”
A dificuldade de comunicação agrava o caos. Durante o tempo que estivemos em Darfur do Norte, passamos por pelo menos seis torres de celular, mas nenhuma delas estava operacional.
A hierarquia de qualquer grupo é claramente marcada por quem está carregando o telefone via satélite. Nossos captores confiscaram nosso telefone via satélite, mas nos permitiram ficar com nossos celulares — confiantes de que eles nunca funcionariam. E não funcionaram.
Alguns dos grupos têm acesso a satélites Starlink, que usam para manter contato. Mas, para a maioria das pessoas comuns, há poucas maneiras de ter contato com o mundo exterior.
O resultado desses múltiplos desafios é que ONGs, organizações de direitos humanos e jornalistas quase não têm acesso a Darfur do Norte.
“O mundo não nos vê, a ajuda não vem”, refletiu para mim o chefe de segurança do grupo que nos capturou em uma tarde.
Os dados mais valiosos e confiáveis que temos sobre a situação no terreno em Darfur vêm dps satélites.
De acordo com o Laboratório de Pesquisa Humanitária de Yale, que usa imagens de satélite para analisar a situação no país, nas duas primeiras semanas de outubro, pelo menos 14 aldeias em Darfur foram incendiadas pela RSF, aumentando as preocupações de que, após uma relativa calmaria durante a estação chuvosa, o conflito esteja novamente se agravando.
Mas as imagens de satélite podem contar apenas parte da história. Elas não nos permitem conectar, ter empatia, nos envolver.
Milhões de pessoas foram deslocadas e enfrentam fome
O conflito no Sudão, que dura 18 meses, foi drasticamente ofuscado pelas guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, mas a ONU teme que ele possa se tornar muito mais mortal: uma confluência cruel de fome, deslocamento e doenças com as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF), as duas principais partes na batalha, acusadas de crimes de guerra.
De acordo com a ONU, mais de 10 milhões de pessoas foram deslocadas pela violência, quase um quarto da população do Sudão. Mais de 26 milhões de pessoas — mais de três vezes a população da cidade de Nova York — enfrentam fome aguda.
Em particular, todos os olhos estão voltados para Darfur, onde um genocídio foi perpetrado de 2003 a 2005 e onde crimes de guerra aumentaram os temores de que o pior possa acontecer novamente.
Em agosto, fome foi declarada no campo de deslocados de Zamzam, em Darfur. E, no entanto, apenas alguns jornalistas internacionais conseguiram entrar desde o início da guerra para relatar o que está acontecendo.