O Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento de um recurso envolvendo uma motorista embriagada que causou um acidente de carro, ferindo gravemente um médico que estava no carro como passageiro, em 2004. Vinte anos após os fatos, o caso pode representar uma nova jurisprudência no judiciário brasileiro.
Uma motorista embriagada causou um acidente de trânsito, ferindo gravemente um médico que estava no carro como passageiro. O caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e agora está no STJ. A mulher foi condenada pela justiça paulista a pagar pensão vitalícia ao médico, que perdeu parte da capacidade de trabalho em decorrência do acidente.
A motorista, em alta velocidade e na contramão, colidiu com outro veículo após sair de uma festa. O médico, que estava como passageiro, sofreu graves lesões em decorrência do impacto. A investigação revelou que o passageiro não utilizava o cinto de segurança no momento do acidente, apesar de estar ciente da condição da motorista.
Análise da Justiça
O TJ-SP, ao analisar o caso, considerou a culpa de ambos os ocupantes do veículo. A motorista foi responsabilizada por dirigir alcoolizada e de forma perigosa, enquanto o passageiro foi considerado culpado por não usar o cinto de segurança.
Com base em laudos médicos, o tribunal constatou que o médico perdeu 75% da capacidade laborativa e condenou a motorista a pagar uma pensão vitalícia equivalente a 37,5% do salário de um médico.
A defesa da motorista recorreu ao STJ, argumentando que a decisão do TJ-SP deveria ser revista, uma vez que o médico, apesar das lesões, conseguiu concluir a graduação e construir uma carreira de sucesso.
Por outro lado, a defesa do médico sustentou que a pensão é devida, pois não há relação direta entre as lesões sofridas e a capacidade do médico de exercer sua profissão.
O relator do caso no STJ, ministro Moura Ribeiro, entendeu que a decisão do TJ-SP foi fundamentada nas provas apresentadas nos autos, como testemunhos e laudos periciais. O ministro afirmou que tanto a motorista quanto o passageiro agiram de forma imprudente e contribuíram para o acidente.
Dessa forma, o ministro votou pela manutenção da condenação da motorista ao pagamento da pensão vitalícia. O julgamento foi suspenso com pedido de vista de outro ministro.
Nova jurisprudência
A CNN conversou com Kevin de Sousa, especialista em direito civil, que analisou o caso. O julgamento parte de duas perspectivas e precedentes jurídicos importantes, de acordo com ele.
Para o especialista, tanto os critérios de responsabilidade e culpa, tanto quanto de cálculos e aplicação de indenizações, podem deflagrar um novo entendimento no judiciário brasileiro.
“A decisão pode criar um precedente importante. O STJ pode estabelecer critérios sobre a responsabilidade em casos de culpa concorrente, como de passageiros que andam sem o cinto de segurança. Além disso, a decisão poderá influenciar o cálculo de pensões vitalícias, particularmente quando a vítima consegue seguir sua carreira, mas com limitações”, afirma Kevin.
Ao estabelecer um novo precedente, o tribunal pode definir parâmetros claros para a aplicação da lei em casos semelhantes, impactando diretamente a vida de milhares de cidadãos.
“Ao uniformizar a aplicação da lei, essa decisão pode impactar futuros casos semelhantes, garantindo que os tribunais tenham parâmetros claros sobre o equilíbrio entre compensação justa e enriquecimento sem causa”, explica Sousa.
Especialista comenta como se aplicam pensões vitalícias
De acordo com Kevin Souza, a pensão vitalícia serve para compensar a perda ou redução da capacidade de trabalho da vítima. Quando a vítima é estudante ou está em início de carreira, a justiça projeta os rendimentos futuros com base na profissão almejada.
“O cálculo da pensão é proporcional à perda de capacidade laboral comprovada em perícia. No caso, o valor foi baseado no salário de um médico, refletindo a perda parcial de 75% da capacidade de trabalho, conforme determinado pela perícia”, disse.
A determinação da pensão por danos pessoais é um delicado equilíbrio entre a necessidade de compensar a vítima pelas lesões sofridas e a prevenção de enriquecimento sem causa.
“A justiça busca equilibrar a compensação, ajustando a pensão ao impacto das lesões, mas também considerando fatores como eventual recuperação ou sucesso profissional da vítima”, complementa o especialista.
O caso que se alonga por quase duas décadas é um exemplo sobre a complexidade do sistema jurídico brasileiro, que conta com diversas esferas. O especialista pondera também que a complexidade na produção de provas, e a sobrecarga dos tribunais também impactam na morosidade desse tipo de caso.
“Processos de indenização, especialmente envolvendo danos físicos graves, podem ser demorados por diversos fatores. Além da complexidade das provas e perícias, há o direito das partes de recorrer em múltiplas instâncias, o que prolonga o trâmite. (…) Outro ponto importante é a sobrecarga do sistema judiciário, que contribui para o atraso no julgamento”, explica Kevin Sousa.