Quando os americanos forem votar em novembro nas eleições presidenciais dos Estados Unidos eles não escolhem diretamente o presidente como no Brasil.
Eles votam em 538 delegados, uma figura do sistema eleitoral americano, que, de acordo com o regime estabelecido pela Constituição, se reúnem em seus respectivos estados e votam para presidente e vice-presidente. Essas pessoas compõem o Colégio Eleitoral, e seus votos, são então contados pelo presidente do Senado em uma sessão conjunta do Congresso no dia 6 de janeiro. É nesta data que acontece a chamada “certificação do presidente eleito”.
Esse nome é dado a um grupo designado de pessoas que emitem os votos oficiais de cada estado para presidente. Esse grupo é composto por 538 pessoas, os chamados “delegados”.
Cada estado tem um número diferente de delegados baseado nos seus representantes no Congresso — 1 para cada membro da Câmara dos Deputados (435) e do Senado (100), e mais 3 no Distrito de Columbia.
O número de delegados em disputa em cada estado é determinado de acordo com informações populacionais do Censo e a representação no Congresso do país. Assim, estados como a Califórnia e Texas tem mais votos do que estados como Carolina do Norte ou Carolina do Sul, que têm menos população.
A única exceção é o Distrito de Columbia, ou Washington D.C, que tem 3 eleitores mesmo não tendo nenhum integrante votante no Congresso.
Dessa forma, o sistema de votação dos EUA é de voto indireto. Em vez de a população votar diretamente no candidato que quer eleger para a Presidência, como no Brasil, os americanos elegem os “delegados” do partido em um estado (e esses sim emitem os votos oficiais de cada estado para presidente).
O professor Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, explica que nesse sistema “o que vale é a vitória nos estados. Se um democrata ganhar o estado da Califórnia por um milhão de votos ou por um voto não faz diferença nenhuma. Isso porque o que conta é que candidato vai levar de qualquer forma todos os votos dos delegados que o estado da Califórnia tem.”
Esse processo é conhecido como “winner-takes-all” (o vencedor leva tudo). As exceções são Maine e Nebraska, que dividem alguns dos votos dos delegados.
Para ilustrar melhor, no mapa abaixo é possível observar a quantidade de delegados, ou seja, de votos, que cada estado possui. As cores do mapa foram usadas a partir das projeções da CNN para as eleições dos Estados Unidos.
Nele, os estados do Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin, indicados pela cor amarela, são os estados-pêndulos. E, para Kamala ou Trump vencer a disputa, é imprescindível que eles conquistem os votos desses estados decisivos.
Nesse sentindo, acrescenta Poggio, para ser eleito presidente dos Estados Unidos um candidato precisa alcançar a maioria dos votos no Colégio Eleitoral, ou seja, é necessário ter 270 votos — metade mais um — o famoso “número mágico“.
Esse sistema faz com que a eleição não dependa diretamente do voto popular nacional, mas sim dos resultados dos estados-pêndulo, onde a disputa é acirrada. Isso torna a conquista desses estados uma estratégia central, já que eles podem decidir o resultado da eleição presidencial.
A Califórnia, por exemplo, possui 54, um número maior que a combinação de Michigan, Geórgia, Nevada e Carolina do Norte.
Mas então por que a Califórnia não é considerado um estado decisivo e Michigan, Geórgia, Nevada e Carolina do Norte são?
Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da FAAP, analisa que essas regiões tem o poder de “mudar o jogo” exatamente porque o apoio do eleitorado pode facilmente oscilar — como um pêndulo — de um ciclo eleitoral para o outro. E é essa falta de previsibilidade os transforma em verdadeiros campos de batalha políticos.
Já a Califórnia é tradicionalmente um estado democrata, então já é esperado que esses votos sejam garantidos pelo candidato desse partido.
E em caso de empate?
Se houver empate entre os eleitores ou se ninguém obtiver a maioria, a eleição vai para a Câmara dos Deputados. A delegação de deputados de cada estado tem direito a um voto e escolhe entre os três mais votados.
Nesse caso, vale ressaltar que os deputados que definem o presidente não são os que já estão no cargo, e sim os que forem eleitos em novembro.
De acordo com a 12ª Emenda, se ninguém obtiver a maioria até certo prazo, o vice-presidente passa a ser presidente. Se não houver maioria para o vice-presidente, as delegações da Câmara são dispensadas e apenas os senadores escolhem o vice-presidente.
A 20ª Emenda mudou o prazo de 4 de março para 20 de janeiro para essa decisão final. A maioria dos estados (exceto Maine e Nebraska, que dividem alguns de seus votos eleitorais) dá todos os seus votos eleitorais à pessoa que ganhar o voto popular nesse estado.
Existem partes muito democráticas do Texas e partes muito republicanas da Califórnia, por exemplo. Mas, a menos que esses estados decidam distribuir seus votos eleitorais de maneira diferente, é apenas o voto popular estadual que realmente importa.
Apenas duas vezes na história dos Estados Unidos o presidente foi escolhido pela Câmara: em 1800 e 1824.
Um candidato pode ganhar no voto popular e perder no Colégio Eleitoral?
Sim. Isso acontece porque são atribuídas quantidades diferentes para cada estado, fazendo com que alguns tenham mais peso do que os outros. Por exemplo, Wyoming tem apenas 3 delegados, enquanto a Califórnia tem 55.
Essa situação já aconteceu cinco vezes no país, sendo a mais recente em 2016, quando o Donald Trump foi eleito no Colégio Eleitoral, apesar de a democrata Hillary Clinton ter recebido mais votos da população.
O mesmo aconteceu em 2000, com o republicano George W. Bush, que venceu o democrata Al Gore, e também nos anos de 1824, 1876 e 1888.
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Mais detalhes sobre o Colégio Eleitoral:
Zachary B. Wolf, analista de política da CNN Internacional, explica que os votos no Colégio Eleitoral são distribuídos entre os estados com base no Censo.
Cada estado recebe um número de votos igual ao número de Senadores e Representantes (deputados) do Congresso dos EUA — dois votos para seus Senadores no Senado dos EUA mais um número de votos igual ao número de seus distritos do Congresso.
Cada estado recebe pelo menos três eleitores. A Califórnia, o estado mais populoso, tem tem 54 votos eleitorais e o Texas, o maior estado de inclinação republicana, tem 40 votos eleitorais.
Wolf ainda lembra que os eleitores de Porto Rico e de outros territórios que não são estados não têm votos eleitorais, embora possam participar das primárias presidenciais.
Os estados são responsáveis por selecionar seus próprios delegados. E vários estados não exigem que esses seus eleitores honrem os resultados eleitorais – o que leva, ocasionalmente, ao fenômeno conhecido como “eleitor infiel”.
Lembrando que são necessários 270 votos de delegados para alcançar a maioria no Colégio Eleitoral. O número total de delegados (538) não pode mudar, a menos que haja mais legisladores adicionados no Capitólio ou isso seja previsto em uma emenda constitucional.
Mas o número de delegados alocados para cada estado pode mudar a cada 10 anos, após o Censo determinado pela Constituição.
Alguns estados ganham uma ou duas cadeiras na Câmara e outros perdem algumas. Nenhum estado, por menor que seja, pode ter zero membros no Congresso. Mas é por isso que houve um forte debate político sobre se o Censo dos EUA deveria perguntar se a pessoa é cidadã do país.
Wolf explica que algumas pessoas temem que pedir pela mudança torne mais difícil uma contagem precisa da população, ou que estados com muitos imigrantes possam acabar com menos legisladores nas eleições a partir de 2022, após a conclusão do Censo 2020.
Por que esse sistema foi escolhido?
Zachary B. Wolf, da CNN, explica que há algumas razões para isso: primeiro, os criadores do sistema temiam facções e que os eleitores não tomassem decisões informadas. Outro ponto: eles não queriam dizer aos estados como conduzir suas eleições.
Também havia a preocupação de que os estados com as maiores populações eleitorais acabassem de fato escolhendo sozinhos o presidente. Outros preferiram a ideia de o Congresso escolher o presidente, e havia propostas na época para um voto popular nacional. O Colégio Eleitoral, portanto, foi uma concessão.
Wolf ainda destaca que mancha da escravidão está presente no Colégio Eleitoral, assim como em toda a história dos Estados Unidos.
A fórmula de rateio dos parlamentares, que está diretamente atrelada ao número de eleitores, dependia, na época, do Compromisso dos 3/5, em que cada escravo em um estado contava como fração de uma pessoa para distribuir assentos no Congresso.
Isso deu aos estados do Sul com muitos escravos mais poder, apesar do fato de que, à época, grandes porções de suas populações não podiam votar e nem sequer eram livres.
Quem defende esse sistema?
Zachary B. Wolf, da CNN, confessa que um sistema de voto popular certamente seria mais simples de entender.
No entanto, como apontam os defensores do Colégio Eleitoral, uma recontagem de votos nacional de mais de 130 milhões de votos poderia ser uma maior confusão e isso é um cenário possível no país, que, por exemplo, pediu uma recontagem de votos na Flórida em 2000.
Wolf lembra que alguns estados têm recontagens automáticas para eleições que terminam com diferença de menos de 0,1%. Em 2016, com 136 milhões de eleitores, seria uma margem de cerca de 136 mil votos.
Imagine como foi a recontagem na disputada eleição de 1960, que tinha menos de 0,2% de diferença no total de votos, mas uma vitória sólida do Colégio Eleitoral para John F. Kennedy.
Um dos apoiadores mais importantes do sistema é Mitch McConnell, líder do Partido Republicano no Senado e também líder da minoria da Câmara alta do país, que argumentou contra a ideia de um esforço nacional de voto popular no plenário do Senado.
Wolf explica que algumas defesas do Colégio Eleitoral têm um tom racial. O ex-governador do Maine Paul LePage disse que sem o Colégio Eleitoral os brancos terão menos voz.
“Na verdade, o que aconteceria se eles fizessem o que dizem que farão [abolir o Colégio Eleitoral e implantar o voto popular] é que os brancos não terão nada a dizer”, afirmou LePage.
“Só as minorias vão eleger. Seria só Califórnia, Texas, Flórida. Todos os pequenos estados como Maine, New Hampshire, Vermont, Wyoming, Montana, Rhode Island, nunca terão um candidato presidencial novamente. Ninguém mais de projeção nacional virá ao nosso estado”, continuou. “Vamos ser esquecidos. É um processo insano, insano”, disse.
No entanto, 65% dos americanos apoiaram a escolha do presidente pelo voto popular, em comparação com 32% que preferiram o Colégio Eleitoral, segundo mostrou uma pesquisa da PRRI/Atlantic de junho de 2018.
Haverá menos apoio se o texto incluir a alteração da Constituição. Uma pesquisa da Pew Research Center em março de 2018 perguntou se os americanos apoiavam uma emenda à Constituição para escolher o presidente pelo voto popular e um número menor de 55% (ainda uma maioria, mas menor) endossou a ideia.
Wolf esclarece que o fato é que o Colégio Eleitoral está na Constituição e mudar a Constituição é muito difícil, algo que leva anos para ser realizado e requer ampla maioria no Congresso ou nas legislações estaduais. Os estados que atualmente se beneficiam do Colégio Eleitoral teriam que renunciar a parte desse poder.
Dito isso, o Colégio Eleitoral já mudou três vezes, cada uma por meio de emenda constitucional. A 12ª Emenda foi aprovada após o curioso empate da eleição de 1800, o que fez com que os eleitores votassem para presidente e vice-presidente em vez de escolherem entre duas pessoas que poderiam ser o presidente. A 20ª Emenda colocou um limite de tempo no processo. A 23ª Emenda deu eleitores para o Distrito de Columbia.
E houve um movimento sério décadas atrás para abolir o Colégio Eleitoral por completo. Em 1968, uma proposta para substituir o Colégio Eleitoral por um sistema de voto popular foi facilmente aprovada na Câmara, mas barrada no Senado.
Com informações da CNN.
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