A confirmação de que Edmundo González deixou a Venezuela fugindo da Justiça é apenas o mais recente de diversos indícios que, juntos, compõem o desenho da escalada autoritária do governo de Nicolás Maduro.
A falta de independência entre os Poderes e o domínio dos militares bolivarianos em cargos-chave da administração pública já fazem parte do desenho institucional da Venezuela há mais de uma década. Nesse último ciclo eleitoral, entretanto, especialistas indicam que Maduro subiu mais um degrau na derrocada democrática do país.
“A provável fraude eleitoral indica uma transformação qualitativa do regime político. Até o momento, tratava-se de um autoritarismo competitivo populista radical, que dependia da legitimidade eleitoral vista como plebiscitária. A partir de agora transitamos para um regime de tipo russo, no qual a via eleitoral para a mudança de governo se fecha e as eleições se tornam meras aclamações do candidato oficial”, avaliou à CNN no dia seguinte à eleição Felippe Ramos, Ph.D em sociologia pela New School for Social Research e especialista em democracia, crises constitucionais, populismo e autoritarismo.
Veja abaixo os principais marcos dessa crise:
Janeiro: O Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela impede María Corina Machado de concorrer a qualquer cargo público por 15 anos. Ela havia sido aprovada nas prévias da oposição com mais de 90% dos votos. Apesar disso, foi condenada por ter participado na autoproclamada Presidência de Juan Guaidó, em 2019. O político não chegou a administrar de fato a Venezuela, que seguiu sob o comando de Nicolás Maduro, mas seu mandato foi reconhecido por dezenas de países da comunidade internacional.
Março: A substituta de María Corina Machado como cabeça de chapa da oposição, a professora Corina Yoris, tenta se inscrever no sistema online da autoridade eleitoral venezuelana, mas seu registro é barrado horas antes do fim do prazo oficial para a inscrição.
Abril: A Plataforma Unitária Democrática, em oposição ao regime venezuelano, lança a candidatura de Edmundo González à presidência. O diplomata aposentado de 74 anos não havia ocupado qualquer cargo eletivo até então. A coalizão que o alçou às urnas reúne 11 partidos de centro-esquerda e centro-direita. Logo em seguida, seis assessores de María Corina Machado pediram asilo na embaixada da Argentina, depois de a Justiça venezuelana decretar a prisão do grupo por “conspiração”;
Maio: Governo de Nicolás Maduro retira convite para que observadores da União Europeia acompanhem a disputa eleitoral. Palácio de Miraflores afirma que a decisão foi uma resposta à manutenção das sanções econômicas do bloco ao país.
Julho: Começa a última etapa da corrida eleitoral. Logo no início do mês, o chefe da segurança de María Corina Machado é preso e solto no dia seguinte. Em seguida, pesquisas de opinião mostram um favoritismo expressivo de Edmundo González. A poucos dias do pleito, a oposição convoca manifestações em todo o país. E, no dia 28, 11,7 milhões de eleitores foram às urnas. No dia seguinte, o Conselho Nacional Eleitoral afirmou que Nicolás Maduro foi o vencedor, com 51,21% com 80% das urnas apuradas.
A oposição contesta o resultado, pedindo a divulgação das atas, que detalham o número de votos por sessão eleitoral. No último dia do mês, o Carter Center, a principal entidade internacional que acompanhou o pleito, afirmou que as eleições não haviam sido democráticas e retirou sua equipe do território venezuelano.
Brasil não reconhece vitória de Maduro nem da oposição — Itamaraty exige divulgação das atas eleitorais.
Agosto: Protestos da oposição lotam as ruas de Caracas e das principais cidades do país. Governo de Nicolás Maduro faz mais de 2 mil prisões e afirma que lotaria os presídios de segurança máxima com os detidos durante os protestos. Comissão da ONU registra 23 mortes em decorrência da opressão policial aos manifestantes e denuncia detenção de crianças e adolescentes. Dezenas de países afirmam que a reeleição de Maduro foi uma fraude.
Venezuela rompe relações diplomáticas com países que reconheceram vitória de Edmundo González. Entre eles, a Argentina. Brasil assumiu a representação diplomática da Casa Rosada em Caracas.
Assessores de María Corina Machado são presos e escritório da oposição é invadido por homens encapuzados.
Supremo Tribunal de Justiça confirma vitória de Maduro, sem apresentar atas eleitorais. Ministério Público da Venezuela convoca Edmundo González a depor em acusações de usurpar as atribuições do CNE ao divulgar contabilização de atas em site aberto.
Setembro: Polícia venezuelana faz cerco à embaixada argentina sob representação brasileira e afirma que opositores asilados no prédio planejaram atentado contra Nicolás Maduro. Edmundo González é alvo de mandado de prisão, busca asilo na embaixada dos Países Baixos e, depois, fica abrigado na residência do embaixador da Espanha no Pais. Depois de cinco dias de ser alvo do mandado de prisão, deixa o país e passa a ser um asilado político na Espanha.
Eleição na Venezuela teve urna eletrônica e voto impresso; entenda