Os democratas estão apostando que há, dentro do eleitorado americano, um desejo profundo de deixar para trás a amargura de uma década dominada pelo ex-presidente Donald Trump.
E assim, na convenção do partido na noite de quarta-feira (21) em Chicago, uma estratégia de “alegria” – retratando a vice-presidente Kamala Harris como a candidata capaz de mover a nação para frente – foi exibida em grande estilo.
O ex-presidente Bill Clinton disse que Harris traz “pura alegria” para a corrida de 2024. Oprah Winfrey incentivou os americanos a “escolher a alegria”. O secretário de Transportes, Pete Buttigieg, contrastou a “escuridão” de Trump com o tipo de política oferecida por Harris e seu companheiro de chapa, o governador de Minnesota, Tim Walz – que ele disse “simplesmente é melhor fazer parte”.
A mensagem destacou como a corrida presidencial de 2024 evoluiu rapidamente desde a saída do presidente Joe Biden no mês passado – cuja campanha foi construída em torno de avisos sombrios de que eleger Trump colocaria a democracia em risco. Harris não abandonou esses avisos, mas os empacotou eles em uma mensagem mais voltada para o futuro, enfatizando temas de liberdade e alegria – e os democratas a combinaram com uma festa.
O cantor John Legend e a baterista Sheila E. tocaram “Let’s Go Crazy”, de Prince. Stevie Wonder apresentou “Higher Ground”.
E, quando ex-alunos do time de futebol americano da Mankato West High School, que ganhou um campeonato estadual com Walz como assistente técnico, subiram ao palco vestindo camisetas que não lhes serviam mais, uma banda de torcida tocou a música de campeonatos da escola.
“Agradeço por trazerem alegria a essa luta”, disse Walz à multidão.
Aqui estão seis principais pontos da terceira noite da Convenção Nacional Democrata:
Tim Walz, o guerreiro feliz, se apresenta
Um momento dessa magnitude era novo para Walz. Antes de ser escolhido como companheiro de chapa de Harris, ele nunca havia feito um discurso de alta importância diante de uma audiência nacional – e nem sequer usara um teleprompter.
Então, em uma convenção cheia de ex-presidentes, líderes do Congresso, celebridades e mais, Walz optou por ser algo completamente diferente. Ele é um governador de dois mandatos e um ex-congressista, mas se inclinou para partes anteriores de seu currículo: Professor de ensino médio. Técnico de futebol americano. Caçador. Vizinho.
Ele usou seu discurso para defender que os democratas são o partido da liberdade. “Em Minnesota, respeitamos nossos vizinhos e as escolhas que eles fazem. E mesmo que não façamos as mesmas escolhas, temos uma regra de ouro: Cuide da sua própria vida”, disse Walz.
Walz tocou nas posições políticas de Harris sobre questões como saúde, direitos ao aborto e propriedade de imóveis. E fez isso com tons populistas às vezes lembrando o falecido senador de Minnesota, Paul Wellstone.
“Quando nós, democratas, falamos de liberdade, queremos dizer a liberdade de fazer uma vida melhor para você e para as pessoas que você ama. Liberdade para tomar suas próprias decisões de saúde. E sim, a liberdade de seus filhos de irem à escola sem se preocuparem em serem mortos no corredor”, disse Walz.
“É disso que se trata: A responsabilidade que temos com nossos filhos, uns com os outros e com o futuro que estamos construindo juntos, no qual todos são livres para construir o tipo de vida que desejam”.
Ainda assim, o momento mais memorável do discurso de Walz pode ter sido quando ele falou das dificuldades de fertilidade que ele e sua esposa, Gwen Walz, enfrentaram.
“Hope, Gus e Gwen, vocês são o meu mundo inteiro, e eu amo vocês”, disse ele, nomeando sua filha, filho e esposa. Gus Walz se levantou, com lágrimas escorrendo pelo rosto, e aplaudiu seu pai.
Walz deixou o palco enquanto “Rockin’ in the Free World”, de Neil Young, tocava no United Center. Young permitiu pessoalmente que a campanha de Harris usasse a música – algo notável porque, quatro anos antes, ele havia processado a campanha de Trump para impedir que fizesse o mesmo.
Oprah conecta os pontos históricos
Se outros democratas lideraram uma mudança geracional na noite de quarta-feira, a lenda dos talk shows Oprah Winfrey conectou os pontos históricos – retratando Harris como emblemática do “melhor da América”.
Ela contou a história de Tessie Prevost, que morreu no mês passado, e de outras três meninas negras que enfrentaram ódio e assédio quando, aos 6 anos, começaram a dessegregação das escolas primárias de Nova Orleans em 1960.
Fazendo a conexão com Harris, as “Quatro de Nova Orleans”, Winfrey disse, “pavimentaram o caminho para outra jovem que nove anos depois se tornaria parte da segunda turma a integrar as escolas públicas em Berkeley, na Califórnia”.
Agora, ela disse, Harris está prestes a fazer história. “Em breve, muito em breve, estaremos ensinando nossas filhas e filhos sobre como essa filha de uma mãe indiana e um pai jamaicano, dois imigrantes idealistas e enérgicos – imigrantes -, cresceu e se tornou a 47ª presidente dos Estados Unidos”, disse Winfrey.
“Isso é o melhor da América”, disse ela, enquanto a multidão irrompia em um canto de “U-S-A”.
Ela invocou o candidato a vice-presidente republicano, senador de Ohio, JD Vance, que em uma entrevista de 2021 com Tucker Carlson reclamou que os Estados Unidos estão sendo governados por “um bando de mulheres sem filhos e que cuidam de gatos que são infelizes com suas próprias vidas”.
“Não somos tão diferentes de nossos vizinhos”, disse Winfrey. “Quando uma casa está pegando fogo, não perguntamos sobre a raça ou religião dos donos. Não nos perguntamos quem é o parceiro deles ou como eles votaram. Não. Apenas tentamos fazer o melhor que podemos para salvá-los. E se o lugar pertencer a uma mulher sem filhos e com um gato – bem, tentamos salvar o gato também”.
“Para o povo” vs. “Eu, eu mesmo e eu”
Bill Clinton, a quem o ex-presidente Barack Obama uma vez chamou de o “explicador-chefe”, enquadrou a eleição como uma escolha entre Kamala Harris sendo “para o povo” ou Trump sendo “sobre eu, eu mesmo e eu”.
“Eu sei qual prefiro para o nosso país”, disse o ex-presidente.
Embora a influência de Clinton dentro do partido tenha diminuído nos mais de 23 anos desde que ele deixou o cargo, nenhum democrata conseguiu replicar seu apelo aos eleitores brancos da classe trabalhadora que se afastaram do partido desde a época áurea de Clinton – uma realidade que torna sua aparição a cada quatro anos na convenção um momento aguardado.
Ele mencionou as posições de Harris sobre políticas de habitação e saúde, e creditou os democratas pelo crescimento do emprego. Mas, na maior parte do tempo, Clinton usou seu discurso para retratar Trump como obcecado consigo mesmo e Harris como uma ruptura limpa com o drama que envolve o ex-presidente.
Ele disse que Trump “fala principalmente sobre si mesmo”. “Então, da próxima vez que você ouvi-lo, não conte as mentiras. Conte os ‘eus’”, disse ele. “Suas vinganças, suas vinganças pessoais, suas queixas, suas conspirações”.
Não pare de pensar no amanhã
No Partido Democrata, logo estará aqui. Embora o principal trabalho da convenção do partido seja impulsionar Harris para as próximas semanas com ímpeto, a reunião deste ano em Chicago também serviu como uma transferência geracional.
Várias das figuras mais velhas do partido – incluindo Biden, Clinton e sua esposa, ex-secretária de Estado Hillary Clinton, e a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi – reconheceram a diminuição de sua influência e o surgimento de novos rostos.
Bill Clinton – que aos 78 anos está ciente de que viveu mais do que seu pai, avô e bisavô – disse à multidão na noite de quarta-feira que ele foi a todas as Convenções Nacionais Democratas desde 1972 e “não faço ideia de quantas mais dessas eu poderei ir”.
“Mas aqui está o que quero que vocês saibam”, disse ele. “Se vocês votarem por essa equipe – se conseguirem elegê-los e deixarem que tragam essa lufada de ar fresco -, vocês se orgulharão disso pelo resto de suas vidas. Seus filhos se orgulharão disso. Seus netos se orgulharão disso”.
Evocando memórias da convenção de 1992 em Nova York, onde Clinton, nativo de Hope, no Arkansas, foi nomeado pela primeira vez, ele disse: “Aprendam com o homem que uma vez teve a honra, nesta convenção, de ser chamado de homem de Hope (esperança, em inglês): Precisamos de Kamala Harris, a presidente da alegria, para nos liderar”.
Clinton também elogiou Biden, dizendo que renunciar voluntariamente ao poder político aumentará seu legado. Ele foi seguido no palco por Pelosi, a mulher mais poderosa da história política americana, que desempenhou um papel em ajudar Harris a tomar o lugar de Biden.
Pelosi, de 84 anos, já havia facilitado uma mudança geracional no Capitólio. Ela se afastou do cargo de líder democrata na Câmara em 2022 e foi substituída pelo deputado de Nova York, Hakeem Jeffries, 30 anos mais jovem.
Pais de refém compartilham “agonia de todos os lados” da guerra Israel-Hamas
Jon Polin e Rachel Goldberg-Polin, pais de Hersh Goldberg-Polin – um americano-israelense que foi sequestrado pelo Hamas enquanto participava do festival de música Nova em 7 de outubro – compartilharam sua “angústia e miséria” na quarta-feira em um dos momentos mais emocionantes da noite.
“Desde então, vivemos em outro planeta. Qualquer pessoa que seja pai ou tenha tido um pai pode tentar imaginar a angústia e a miséria que Jon e eu e todas as famílias dos reféns estamos enfrentando”, disse Goldberg-Polin.
Os dois disseram que se reuniram “inúmeras vezes” na Casa Branca com Biden e Harris. “Somos profundamente gratos a eles”, disse Jon Polin.
“Também somos profundamente gratos a vocês, aos milhões de pessoas nos Estados Unidos e em todo o mundo, que têm enviado amor, apoio e força às famílias dos reféns. Vocês nos mantiveram respirando em um mundo sem ar”.
Reconhecendo as mortes de civis em Gaza, Polin também disse que “há um excesso de agonia em todos os lados” da guerra entre Israel e o Hamas.
Seus comentários vieram enquanto os democratas lidavam com a tensão sobre o apoio dos EUA à guerra de Israel com o Hamas e as baixas civis que resultaram. A crítica dos progressistas a Biden sobre o assunto levou a protestos em campi universitários e votos “não comprometidos” nas primárias presidenciais de alguns estados nesta primavera.
Cerca de uma hora antes da família falar, Abbas Alawieh, cofundador da Uncommitted Nation Network, disse que saudou o discurso dos pais dos reféns – mas pressionou novamente para que uma voz palestino-americana tivesse o mesmo tempo.
Horas depois, a Uncommitted Nation Network recebeu a notícia de que seu pedido de um espaço para falar havia sido negado, e os membros reagiram organizando um protesto fora do United Center. Eles seguravam faixas que diziam “Embargo de armas agora” e “Nem mais uma bomba”, pedindo o fim dos suprimentos militares dos EUA para o esforço de guerra de Israel. A deputada de Minnesota, Ilhan Omar, juntou-se brevemente ao grupo.
Policial do Capitólio diz que Trump “nos traiu”
Embora Kamala Harris tenha dado seu próprio toque à mensagem democrata desde que substituiu Biden no topo da chapa, o tema que estava no centro da campanha de reeleição do presidente – defender a democracia – continua sendo fundamental.
Aquilino Gonell, ex-sargento da Polícia do Capitólio dos EUA, disse que Trump “convocou nossos agressores”, que invadiram o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021, enquanto o Congresso se reunia para contar os votos do colégio eleitoral.
Gonell, que imigrou para os Estados Unidos vindo da República Dominicana quando tinha 12 anos e serviu no Exército, disse que Trump “nos traiu”.
“Nós, policiais, arriscamos tudo para proteger pessoas inocentes. Fomos espancados e cegaram a gente. Fui agredido com um mastro preso a uma bandeira americana”.
Os democratas fizeram da insurreição e do esforço mais amplo de Trump para reverter os resultados das eleições de 2020 um foco na noite de quarta-feira. O ex-vice-governador da Geórgia, Geoff Duncan, um republicano, e Olivia Troye, ex-assessora de segurança nacional do vice-presidente Mike Pence, também subiram ao palco em Chicago.
“Para meus colegas republicanos, vocês não estão votando em um democrata; estão votando na democracia”, disse Troye. “Vocês não estão traindo nosso partido; estão defendendo nosso país”.