Quase três anos após a invasão da Ucrânia pela Rússia ter feito Moscou ser condenada por países globalmente, o líder Vladimir Putin está organizando uma cúpula com mais de uma dúzia de líderes mundiais — em um sinal direto do autocrata de que, longe de estar sozinho, uma coalizão emergente de países o apoia.
A cúpula dos Brics de três dias, que começa nesta terça-feira (22) na cidade de Kazan, no sudoeste da Rússia, é a primeira reunião do grupo das principais economias emergentes, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, desde que se expandiu no início deste ano para incluir Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.
Os líderes esperados incluem Xi Jinping da China, Narendra Modi da Índia, Masoud Pezeshkian do Irã, Cyril Ramaphosa da África do Sul, bem como aqueles de fora do clube, como o presidente turco Recep Tayyip Erdogan. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva era esperado para participar, mas cancelou sua viagem após sofrer uma lesão em casa.
Definido para ser de longe o maior encontro internacional que o presidente russo já sediou desde o início da guerra em fevereiro de 2022, o encontro dos Brics e outros países desta semana destaca uma crescente convergência de nações que esperam ver uma mudança no equilíbrio global de poder e — no caso de alguns, como Moscou, Pequim e Teerã — se opor diretamente ao Ocidente liderado pelos Estados Unidos.
É esta última mensagem que Putin — e o parceiro próximo e líder mais poderoso dos países Brics, Xi — projetarão nos próximos dias: é o Ocidente que está isolado no mundo com suas sanções e alianças, enquanto uma “maioria global” de países apoia sua tentativa de desafiar a liderança global americana.
Em comentários aos repórteres na sexta-feira, Putin saudou a crescente influência econômica e política dos países do bloco como um “fato inegável” e disse que se os Brics e os países interessados em trabalhar juntos “serão um elemento substancial da nova ordem mundial” — embora ele tenha negado que o grupo fosse uma “aliança antiocidental”.
A mensagem de Putin esta semana será ainda mais pungente, pois a reunião ocorre poucos dias antes das eleições nos EUA, onde uma potencial vitória do ex-presidente Donald Trump pode fazer com que os EUA mudem seu firme apoio à Ucrânia e estiquem os laços de Washington com seus aliados tradicionais de forma mais ampla.
“Esta cúpula dos Brics é realmente um presente (para Putin)”, disse Alex Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center em Berlim. “A mensagem será: como você pode falar sobre o isolamento global da Rússia quando (todos esses) líderes… estão vindo para Kazan.”
A Rússia quer retratar os Brics “como a ponta de lança, a nova organização que nos leva a todos como uma comunidade global para uma ordem mais justa”, disse Gabuev.
Mas, apesar da retórica abrangente da Rússia, os líderes reunidos em Kazan têm uma ampla gama de pontos de vista e interesses — uma realidade dos Brics que, segundo observadores, limita sua capacidade de enviar uma mensagem unificada — especialmente o tipo que Putin pode desejar.
Crises globais
O encontro sediado pela Rússia representa um forte contraste com a cúpula dos Brics do ano passado em Joanesburgo, quando Putin participou do outro lado de uma tela de vídeo — impossibilitado de comparecer pessoalmente devido a um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional por supostos crimes de guerra sobre a Ucrânia.
Este ano, o presidente russo está no comando da primeira cúpula desde que a organização quase dobrou de tamanho — e o encontro está acontecendo diante de um cenário global muito diferente.
Embora os Brics seja voltado principalmente para a colaboração econômica, sua reunião do ano passado ocorreu na sombra da guerra na Ucrânia. Agora, mesmo com a guerra em andamento, o conflito em expansão no Oriente Médio, onde Israel está lutando contra os representantes do Irã, também deve dominar as conversas dos líderes.
Putin confirmou na semana passada que o líder palestino Mahmoud Abbas participaria do evento. O líder russo e seus oficiais provavelmente usarão o conflito — e a raiva em todo o Sul Global em relação aos EUA e seu apoio a Israel — para pressionar seu argumento por uma nova ordem mundial sem os EUA no comando, dizem os observadores.
China e Rússia pediram um cessar-fogo no conflito em espiral e criticaram as ações de Israel, enquanto os EUA endossaram o direito de Israel de retaliar contra os grupos militantes Hamas em Gaza e Hezbollah no Líbano.
Muitos participantes da cúpula veem o conflito no Oriente Médio “como um excelente exemplo de por que esse grupo específico de países deveria ter mais influência”, disse Jonathan Fulton, um membro sênior não residente do Atlantic Council, sediado em Abu Dhabi. No entanto, ele disse que os países estão “usando isso principalmente como um ponto retórico para criticar coisas de que não gostam”, em vez de mostrar interesse em liderar sua resolução.
Os observadores também estarão observando se a China e o Brasil usarão o encontro como uma plataforma para promover sua proposta de paz conjunta de seis pontos sobre a guerra na Ucrânia, como fizeram na reunião do mês passado da Assembleia Geral das Nações Unidas. Então, o líder ucraniano Volodymyr Zelensky criticou o esforço, dizendo que tais planos ajudariam Moscou, enquanto alertava Pequim e Brasília: “vocês não aumentarão seu poder às custas da Ucrânia”.
Os próprios desafios de Zelensky ao apresentar seu “plano de vitória” para acabar com a guerra e as eleições iminentes nos EUA significam que a China agora tem “uma tremenda oportunidade de bater o tambor de seu próprio formato (na Ucrânia) sem poupar muita alavancagem”, de acordo com Gabuev em Berlim.
O encontro em Kazan também dá a Putin ampla oportunidade para um tempo cara a cara com seus colegas líderes dos Brics e outros dignitários amigáveis presentes.
A recente inclusão do Irã nos Brics — que a CNN relatou ter fornecido à Rússia centenas de drones, bem como mísseis balísticos de curto alcance (uma transferência que o Irã nega) — traz um parceiro russo próximo ainda mais para o rebanho de Moscou. A China também foi acusada pelos EUA e seus aliados de alimentar o esforço de guerra da Rússia por meio do fornecimento de bens de uso duplo, como máquinas-ferramentas e microeletrônicos — um papel que Pequim também nega ao defender seu “comércio normal” com a Rússia e sua “neutralidade” na guerra.
Crise de identidade
Espera-se que os líderes, nos próximos dias, discutam como avançar os esforços em andamento para liquidar pagamentos fora do sistema denominado em dólar americano usando moedas e redes bancárias dos Brics, um sistema que pode ter benefícios econômicos, mas também ajuda países-membros como a Rússia a contornar as sanções ocidentais. Os países também devem procurar maneiras de impulsionar a cooperação econômica, tecnológica e financeira em uma série de áreas, desde energia até o compartilhamento de dados de satélite.
Ao mesmo tempo, no entanto, eles estarão lidando com as divisões e agendas diferentes entre os países dentro do grupo, o que os observadores dizem que limita o quanto os Brics pode alcançar.
Isso não é novidade para o grupo, que realizou sua primeira cúpula do Brasil, Rússia, Índia e China em 2009 como uma convergência de mercados emergentes importantes antes de se expandir no ano seguinte para incluir a África do Sul. Em 2015, os Brics lançou seu Novo Banco de Desenvolvimento, visto como uma alternativa ou suplemento ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional.
Vagamente unidos por um interesse compartilhado em reformar o sistema internacional para garantir que suas vozes fossem melhor representadas, os Brics desde o início incorporou países com profundas diferenças em sistemas políticos e econômicos — bem como outros atritos.
Índia e China, por exemplo, têm um conflito de fronteira de longa data, mas constituem dois pilares principais do clube. Suas divisões se tornaram ainda mais proeminentes nos últimos anos, à medida que a China e os EUA se tornaram cada vez mais tensas, enquanto a Índia e os EUA se tornaram parceiros mais próximos.
Hoje, mesmo com os Brics se expandindo novamente — e o Kremlin diz que mais de 30 países adicionais estão interessados em se juntar ou cooperar com ele — o aprofundamento das falhas geopolíticas complica ainda mais a identidade e a direção do bloco, dizem os observadores.
“(China e Rússia) essencialmente tentaram mudar o grupo do senso dos (Brics) serem economias emergentes para potencialmente ser algum tipo de expressão de angústia em relação ao domínio ocidental”, disse Manoj Kewalramani, que lidera os estudos Indo-Pacífico no centro de pesquisa da Instituição Takshashila na cidade indiana de Bangalore.
E novos ou aspirantes a membros podem não querer escolher entre essa visão ou o Ocidente. Em vez disso, eles estão procurando fazer suas economias crescerem e “se envolverem de forma não ideológica e pragmática”, disse ele.
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